O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Retornaram contando — Familiares diversos


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Violência e resgate

Quando trabalhava dentro de seu próprio estabelecimento comercial, em Vicente de Carvalho (antiga Itapema, distrito de Guarujá, SP), Edison Roberto, de 26 anos, foi baleado por um marginal, vindo a falecer no Hospital Ana Costa, de Santos, SP, 21 dias depois, a 1º de janeiro de 1979.

Porém, antes de completar um ano de sua desencarnação, Edison Roberto-Espírito voltou a dialogar com os familiares, trazendo o seu testemunho de amor através de longa carta de 51 páginas de texto psicografado, portadora de muito conforto e preciosas informações.

Dentre os temas abordados nesta missiva destacamos a análise de sua morte violenta, considerada como reflexo de dívida cármica, caracterizando um doloroso resgate (Meu bisavô Joaquim me esclarece que passei por uma reação do presente em relação ao passado), e o apelo veemente aos familiares para que não pensem em vingança, frisando: A vingança é um fogo no caminho do coração… Por mais que desejemos fugir de semelhante labareda, as chamas do ódio nos perseguem de uma estrada para outra até que venhamos a compreender que todos somos filhos de Deus.

Eis a carta psicografada pelo médium Chico Xavier, em reunião pública do GEP, Uberaba, na noite de 10 de novembro de 1979:


CARTA DE EDISON ROBERTO


1 Querida mamãe Eunice, n peço a sua bênção de paz, rogando a Jesus que nos ampare a todos.

2 Estou aqui trazido pela vovó Zilda, n emocionado de tal modo que desconheço a maneira de retomar a faculdade de escrever a fim de oferecer-lhes as minhas notícias.

3 Vejo-a, mamãe, com a nossa querida Suely n e o coração palpita apressado. É o anseio de me fazer tangível que surge em meus pensamentos e desaparece, ante a impossibilidade de readquirir o corpo físico a fim de fazer isso.

4 Recebam, assim, as minhas palavras, no que eu possa traçar no papel, como quem tira o lápis de dentro do coração para se exprimir numa carta.

5 Antes de tudo, venho pedir-lhes, querida mãezinha e querida Suely, para viverem, sem perder a coragem diante do futuro.

6 O que me aconteceu a princípio, para nós todos foi algo inesperado e terrível. Achava-me com a alegria do Ano Novo, n trabalhando no Itapema, e estava longe de imaginar que seria alvejado por bagatela. 7 Quando me vi sob o fogo da arma disparada, caí num torvelinho de ideias desencontradas.

8 Eram as promessas que havia feito a meu pai n e ao seu coração de mãe que não mais se cumpririam; era o meu compromisso com a nossa querida Suely que se desfazia quando tanto desejava faze-la feliz; eram meus irmãos na lembrança a esperarem por mim; eram os planos de serviço que não conseguiria retomar.

9 Lutei para não dormir naquela hora difícil, ansiando prosseguir no comando de meu corpo, mas todo o esforço se fazia inútil…

10 Por fim, entrei num desmaio como se meus pensamentos fossem uma vela acesa que se apagava de repente…

11 Quis pensar em reagir, mas no fundo de meu coração, qual se alguém me quisesse refletindo em Jesus nos momentos que me precediam o repouso, me falava uma voz que parecia vir de mim mesmo: “— Filho, pense em Jesus; perdão para nós todos, ódio nunca”…

12 A voz me mostrava a ideia com tanta doçura que rapidamente me esqueci de que fora atacado… Refleti em Jesus e senti que adormecia com uma bênção. Só muito depois vim a saber que essa voz vinha da vovó Zilda, que não me desejava odiando a ninguém…

13 Dormi profundamente e não tive qualquer contato com a realidade de tudo, quanto se seguia aquela agressão, porque hoje creio que a misericórdia de Deus estabelece uma lei de repouso para os que se transferem de uma vida para outra, mormente eu, me reportando ao meu caso, porquanto caía sem qualquer preparação.

14 Quanto tempo perdurou aquele torpor imprevisto não sei. Lembro-me de haver acordado num aposento de hospital, que me fazia supor numa internação em algum pronto socorro da Terra mesmo. 15 Acordei sentindo muita agitação e não sabia se era de dor ou angústia, porque os quadros em derredor não me tranquilizavam, apesar do cuidado carinhoso que se mantinha no recinto. Pedi a sua presença, a presença de Suely; quis ver outros familiares, mas depois de muitas requisições vieram a vovó Zilda e o tio Flávio n ao meu encontro…

16 O espanto me tomou de improviso, mas para que não admitisse perturbado, a vovó adiantou a esclarecer-me sem muitas palavras a nova situação. O pranto me subiu do peito para os olhos e chorei qual se voltasse à condição de uma criança. 17 Outros amigos vieram ter conosco e me reconfortaram. O Sílvio José, n irmão de nossa querida Suely, me abraçou a consolar-me. Era preciso conscientizar-me aceitando a verdade, e oraram comigo os corações queridos que me buscavam. Acalmei-me a fim de raciocinar com mais segurança…

18 Creiam que as lágrimas de casa me alcançaram, como se houvesse um entrelaçamento incessante entre o lugar em que me achava e a nossa moradia no Mundo. n Agora, depois de tantos dias de expectativa, venho rogar-lhes conformação e esperança, mamãe, tanto os pensamentos de meu pai no coração; e peço-lhes para que aceitem a minha vinda para cá por acontecimento que não dependia de nós.

19 Peço à querida Suely me perdoe se não pude executar o prometido, mas serei o irmão e companheiro a esforçar-me para vê-la feliz.

20 Meu bisavô Joaquim n me esclarece que passei por uma reação do presente em relação ao passado, e acredito que só por uma dívida de que me mantenho ainda esquecido, poderia eu cair sem razão justa no serviço em que procurava a nossa subsistência.

21 Lembre-se, mamãe, do Carlos Alberto, da Sandra, do Mário n e também da Suely, que passou a ser sua filha em meu lugar, e reanime-se para tomar a vida que Deus nos concedeu.

22 Com paciência e alegria, agora peço, mas peço com todos os meus sentimentos de filho e de companheiro, para que ninguém de nosso campo familiar e nem de nossas amizades pense em vingança.

23 A vingança é um fogo no caminho do coração…. Por mais que desejemos fugir de semelhante labareda, as chamas do ódio nos perseguem de uma estrada para outra até que venhamos a compreender que todos somos filhos de Deus. 24 Aqueles amigos que perderam o equilíbrio e me alvejaram são nossos irmãos. Cabe-nos pensar o que seria de nós se estivéssemos em lugar deles…

25 Mamãe, é preciso compadecer-se das mãos que ferem porque os que foram feridos estão sob a tutela da bondade de Deus, que a ninguém abandona sem providência e consolo.

26 Rogo hoje à família por eles, pelos irmãos que ainda não despertaram para as leis de Deus que governam a vida… Auxiliem-me esquecendo aquele final de existência para que eu possa sentir em mim a luz do alvorecer em que me encontro. Suely, você que é tão humana e compreensiva, auxilie aos nossos nessa compreensão.

27 Precisamos da paz e a paz chega somente pelo amor que Jesus nos ensinou. Tenho aprendido muito nestes meses de ausência, do ponto de vista de espaço, e, com a experiência de hoje, rogo à mamãe e a todos os nossos para que se esqueçam do mal e pensem unicamente no bem.

28 Suely querida, se não consegui realizar nossos anseios não julgue que a deixarei; caminharei para diante com as suas aspirações e Jesus nos ajudará a encontrar um pouso para a edificação dos seus sonhos que são também meus.

29 Mãe querida, agradeço todo o seu imenso amor e peço-lhe crer em Deus, aceitando a vida nova de seu filho. Tenho recebido as vibrações de amor do querido papai e os pensamentos de carinho dos irmãos.

30 Aqui termino reafirmando a todos que estou bem. A diferença é apenas saudade, mas saudade é também um estímulo para que venhamos a trabalhar com fé no porvir, no grande futuro em que todos nos reencontraremos. Deus nos abençoará para que estejamos abençoados.

31 Recordem-me vivo e alegre como em nossos melhores dias. Que a nossa casa se abra à esperança e ao sol da alegria como sempre, porque houve para mim abençoada ressurreição.

32 Querida mãezinha e querida Suely, recebam aqui todo o coração reconhecido e confiante do filho e companheiro que pede a Deus nos ampare a todos, para que possamos prosseguir em paz nos caminhos de nossas vidas.

33 Muitas saudades e esperanças, abraços e flores de carinho do filho muito grato de sempre,


Edison Roberto Ribeiro Pereira. n


NOTAS E IDENTIFICAÇÕES


1 — Mamãe Eunice — D. Eunice Ribeiro Pereira, residente em Santos, SP.


2 — Vovó Zilda — Zilda Drumond de Oliveira, avó materna, desencarnada em Santos, a 18/11/1969.


3 — Suely — Noiva.


4 — Achava-me com a alegria do Ano Novo — “Meu filho sempre adorou as festas do Ano Novo”, escreveu-nos D. Eunice, em entrevista epistolar.


5 — A meu pai — Sr. João Pereira.


6 — Tio Flávio — Flávio Pinto Ribeiro, tio materno, desencarnado em Santos, a 14/03/1967.


7 — Sílvio José — Irmão de Suely, desencarnado em Santos, em 1976.


8 — As lágrimas de casa me alcançaram, como se houvesse um entrelaçamento incessante entre o lugar em que me achava e a nossa moradia no Mundo. — A sintonia mental entre os que se amam é uma realidade que a morte não desfaz. Assim, o clima de “conformação e esperança” no seio da família, que fica na Terra, é o ideal, muito beneficiando o ente querido que partiu para o Além, proporcionando-lhe paz, conforto e estímulo, que se transformam, muitas vezes, para ele, em sustentação fundamental, no período de adaptação na Vida Nova.


9 — Bisavô Joaquim — Tetravô materno de Edison. No diálogo que D. Eunice manteve com Chico Xavier, na tarde da reunião de sexta-feira, o médium detectou, ao lado dela, a presença de um Espírito familiar, chamado Joaquim. Ao ser informada, ela respondeu que o desconhecia, pois nunca ouvira falar deste familiar. E, nessa mesma reunião, no início da madrugada, ao escrever sua carta, Edison citou o seu “bisavô Joaquim” (na verdade, tetravô). Mesmo assim, D. Eunice interpretou a citação do nome Joaquim, como engano, pois o seu avô chamava-se Antônio; ou incompleta: seria Antônio Joaquim? (ela não tinha certeza do nome completo de seu avô Antônio). Esta dúvida só foi esclarecida 2 anos após, ao final do Inventário de seu pai, quando D. Eunice leu uma cópia do mesmo, que recebeu das mãos da sua irmã (que havia aberto o Inventário), constatando, muito surpresa, que seu bisavô, pai de Antônio, chamava-se Joaquim.


10 — Carlos Alberto, Sandra e Mário — Irmãos.


11 — Edison Roberto Ribeiro Pereira — “O meu Edison era um ótimo filho”, escreveu-nos D. Eunice. “Era simples, carinhoso, honesto e trabalhador. Desde os 11 anos de idade, já trabalhava, ajudando a família.” Estes traços de personalidade condizem com a elevação espiritual que ele revela em sua carta.


Hércio Arantes


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