O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Notáveis reportagens com Chico Xavier reproduzidas do jornal O Globo — Autores diversos


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Através da janelinha de Chico Xavier, Eça de Queiroz gesticula e fala para o mundo!

Crise de gênios, por excesso… — Subconsciência, mediunismo, loucura, simulação ou estupidez? — Se Sêneca voltasse ao mundo… — Napoleão, fabricante de louças…


PEDRO LEOPOLDO,  †  5 (Especial para O GLOBO, por Clementino de Alencar) — Embora Chico Xavier esteja, hoje, em Pedro Leopoldo, não é muito certo que se realize, logo à noite, a sessão semanal na casa de José Cândido.

Foi, pelo menos, a impressão colhida durante a visita que fizemos esta manhã, ao médium.

Ele ainda não se considera restabelecido e está, ao que parece, disposto a voltar, por mais alguns dias, para o retiro onde passou parte da semana última.

Não se pense, porém, que, ao demonstrar uma tal intenção, Chico Xavier tome qualquer atitude de gente “importante”, de político em evidência, de general vitorioso ou de santo canonizado em vida que porventura nos dissessem: — Agora não posso atendê-los. Vou para a estação de águas…

Nada disso. Quem nos fala é ainda o mesmo caixeirinho simplório de calças remendadas e que, de vez em quando interrompe a frase para “despachar” um freguês, pesando-lhe um pouco de farinha ou embrulhando-lhe uma talhada de sabão.

Um mês e pouco de publicidade, comentários, revelações e discussões em torno de seu nome, em nada abalaram sua humildade, sua despretensão e se desprendimento.

E, quando ele nos diz que precisa ainda descansar algum tempo, nós percebemos que, a par de seu cansaço, move-o também a intenção de voltar à sua obscuridade modesta e tranquila.


Eça de Queiroz no “arquivo” de Chico Xavier


Assim, enquanto passam as horas, sobre a nossa incerteza, quanto à realização da sessão espírita esta noite, voltamos ao “arquivo” do médium.

Essa incerteza não a quisemos desfazer com indagações precisas, propositadamente; dizem-nos, aqui, que Chico e José Cândido assim como os outros demais adeptos da doutrina nesta região, dificilmente se privariam, por longo tempo, do ato religioso que para eles representam as sessões.

Assim, admitindo a possibilidade de uma determinação deles, no sentido de efetuar-se o ato, não quisemos provocar uma negativa com insistências de repórter.

E agora vamos colher, no “arquivo”, algumas páginas que trazem ao pé o nome de Eça de Queiroz.

São duas as mensagens que ali encontramos, do autor dos “Maias”,  †  e ambas relativas quase que ao mesmo assunto: as opiniões expedidas por “vivos” em torno do “Parnaso de Além-Túmulo”, publicado em 1932.

Não se poderá negar que, em certas passagens julga-se encontrar, através dessas páginas, a frase saída dos lábios de Fradique:  †  “talhados para a ironia e para o amor”, mas, no caso presente, unicamente quando eles se entreabriam para os prélios da ironia.

Deixando, porém, o julgamento a respeito a cargo daqueles mais familiarizados com a maneira do Eça e mais conhecedores dos lavores criados pelo seu estilismo, passaremos a transcrever algumas das páginas aludidas.


Julgando opiniões n

É esse o título que traz uma das mensagens com que Eça se dirige ao médium:


Meu caro.

Após a publicação do teu e nosso livro, abundaram as opiniões com respeito à tua personalidade. Embora já tão conhecidas as questões espíritas, não faltou quem te considerasse um sujeito anormalíssimo, apesar de constituir o teu caso de mediunidade um fato vulgaríssimo, portas a dentro da psicologia definido pelos psiquiatras, entendidos na matéria, que classificam, sem admitir contestação, o problema mediúnico dentro do subconsciente como um quisto metido em álcool para estudo.

Alguns se abalançaram a crer que somos nós quem escreve através dos teus dedos; outros porém, honraram a tua cabeça com uma privilegiada massa encefálica. Outros ainda, concedendo-te um extraordinário poder de assimilação e uma esquisita multiplicidade de característicos individuais, viram na tua faculdade uma questão simplíssima de inteligência, não obstante a acusação de outrem de que conseguiste apenas nos desfigurar e empobrecer. Tudo está bem.

Subconsciência, mediunismo, psicopatia, loucura, simulação, anormalidade, fenômeno estupidez ou espiritomania. O que é certo é que apreciaste os nossos desarrazoados e nós nos comprazemos na tua janelinha, através da qual gesticulamos e falamos para o mundo; e se almas caridosas têm vindo para espicaçar-lhe o desejo de uma beatitude celestial para cá da morte, aplicando sedativos às suas chagas purulentas, não me animam semelhantes objetivos. Não lhe darei consolações nem conselhos. Grande soma de desprezo pude acumular felizmente pela sua vida detestável onde a púrpura disfarça a gangrena. Deus não me deu ainda a funda de David para vencer esse eterno Golias da iniquidade. Não é porque eu tenha sido aí um santo, o que não fui. Ambientes existem que revoltam certas individualidades, em amoldá-las ao seu modo e fora do abismo, experimenta-se o receio de uma nova queda.


Crise de gênios…


Os meus escritos póstumos são apenas sinônimos de amistosas visitas. E como há quem te assevere serem as nossas produções expressões da tua genialidade, quiçá da tua fertilidade imaginativa, resolvi prevenir-te para que não te amofinasses de orgulho como abóbora seca a chocalhar as suas pevides, porque os gênios hoje constituem raridades. Há crise deles atualmente. Crise oriunda do excesso como todas as crises hodiernas.

O ouro desaparece permanecendo somente na moeda fiduciária, em muitos países, por inflações de crédito ou por exuberância da produção. As nacionalidades estão depauperadas porque possuem demasiadamente; são vítimas da sua abundância e do descontrole.

A crise de gênios tem a sua origem na superabundância deles. As academias fabricam-nos às dúzias e a concorrência intensifica a vulgaridade.

Gênios e póstumos…

Acompanhemo-los desde os seus pródromos. São crianças nervosas, irritadas. A mãe dá-lhes tabefes. Mas os amigos da família pontificam. Aquelas traquinadas, são os prenúncios de uma genialidade sem precedentes e citam os casos de inteligência precoce de que são sabedores. Os fedelhos são como quaisquer outros. Mais tarde os rapazes cursam uma Academia que faz anualmente uma desova de celebridades. Aprendem lexicologia, esmerilhando clássicos, algo de geografia física, política, história, economia e matemática, algumas noções gerais e os alfaiates ou o adelo rematam a obra. Inflados de sapiência, de estudos especializados, são Spinosa em filosofia, Harvey  †  em medicina, expoentes máximos do Direito em ciências jurídicas. Não vivem porém polindo lentes para viver ou perseguidos pelos colegas. Andam com os estômagos reconfortados, numa quase homogeneidade pasmosa, aos magotes, exibindo títulos, à cata de comezainas, apadrinhados, tutelados, pois que geralmente são saídos do ventre rotundo e inchado da politicalha de ocasião. De posse dos seus diplomas os nossos heróis se sacrificam, com denodo, freneticamente. Por idealismos? Não. Buscam pouso na burocracia. E o conseguem. Abdicam então das suas faculdades de raciocínio e reclamam o azorrague de um político que os comande. Transformam-se em azêmolas indiferentes, passivas. Temos aí quase a totalidade dos gênios da época. À sombra da acolhedora máquina do Estado, engordam e apodrecem, pensando pela cavidade abdominal; gastrônomos e artistas têm o cérebro curto e o ventre dilatado, enorme.


“Não busques ser o gênio, seja o apóstolo”


São inteligências enciclopédicas que apenas sofrem de dispepsias e que daqui se nos afiguram como feiras de aptidões e consciências. Correm aí atrás de tudo o que signifique o seu mundaníssimo interesse e vivem segundo as oportunidades.

Idiotas, abandonam a vida material como suínos. E é de se ver os esgares e trejeitos desses patifes quando acordam na vida real.

Desejaria que houvesse um local isolado, circunscrito, conforme os tratados de teologia católica, onde Lúcifer com os seus sequazes lhes destilasse as gorduras envenenadas a fogo ardente.

De qualquer forma, porém, temos aqui o serviço ativo de saneamento espiritual sem infernos ou purgatórios literais. Graças a Deus.

E como a vida desse mundo é repleta de coisas transitórias, esperamos que o reconheças, desempenhando todos os teus deveres cristãos. Que outros se enriqueçam e se locupletem. Procura as riquezas d'alma, os tesouros psíquicos que te servirão na Imortalidade.

Não busques ser o gênio. Sê o apóstolo.

Eça de Queirós


Ironia e pessimismo póstumos


Na outra mensagem, como que justificando a maneira que ainda caracteriza sua produção no Além, em face da feição, às vezes, evangélica, assumida pela obra poética vinda de lá, diz o prosador da “Ilustre Casa”:


“E infelizes dos que nasceram para conviver com as musas que são pessoas que não conheço, nem cujos favores solicitei, na vida transitória daí; porém, como somos obrigados a aderir às teorias deterministas, posso ter nascido na Terra, predestinado à ironia e ao chiste, interessando-me por uma questão de afinidade com as chocarrices dos nossos colegas deste cantinho que em boa hora deixamos, conforme asseveram, para o nosso e seu bem. Todavia, como já não continuo escrevendo as “Cartas da Inglaterra”,  †  datadas de Portugal, nem trazendo ao público “A ilustre Casa de Ramires”,  †  ou em desentendimento com as casas editoras da minha heroica pátria portuguesa ou mesmo da França, pouco se me dá que a ironia ou o pessimismo sejam os característicos das minhas opiniões póstumas.”


A necessidade do fantástico


Mais adiante diz, sobre o aspecto assumido pelas manifestações dos escritores do Além:


“E clamoroso perigo é o fato verificado de que esses mortos, são em geral, os mesmos seres da Terra, conscientes, pensantes e conservando identidade de gostos e opiniões, o que se afigura aos homens uma condenação perene e um eterno círculo vicioso, onde se agitarão, para a consumação dos evos, os desgraçados que partiram.

“Não. Faz-se mister que a morte seja o sobrenatural o fantástico, o Lethes, onde se opere a imersão da alma, um maravilhoso banho mitológico, de onde se escape o Espírito mais rude e ignorante, como um sábio transudando lições e virtudes.

“Auscultando a verdade, tremem ou sorriem os vivos, diante da existência das almas e inquirem se Anchieta ainda estará cantando, para cá, às excelsitudes do Espírito da Virgem Maria, em língua tupi, ou se Luiz de Camões  †  se conserva ainda celebrando os brilhantes feitos da alma lusitana, como um legítimo propagandista, no “outro mundo”, da terra portuguesa, arrebanhando turistas e captando loas para Vasco da Gama,  †  junto à imprensa de Marte e provavelmente de Júpiter. É possível.”


Admitindo depois, como natural, “se o grande Sêneca  †  decidisse volver ao mundo para ensinar como se devem cultivar plantas dicotiledôneas, em companhia do seu discípulo e algoz que deveria recitar parêneses e se Napoleão regressasse dos Inválidos para mostrar o processo de fabricar louças”, acha o Eça do Além:


“Dessa forma, o fenômeno seria tão corriqueiro que se tornaria indigno de apreço. É preciso que o mesmo camponês que emigre da sua aldeia miserável para a Sorbonne, lá se conserve por decênios consecutivos e regressando depois ao seu rincão natal, dirija-se aos seus conterrâneos, habituados a colher e a trincar peixes podres com um vocabulário de cem palavras, e se esfalfe no trabalho de esclarecê-los sobre as teorias de Spencer  †  e de Kant, para que os seus patrícios esbocem, “à la manière” um sorriso de incredulidade.

“Eu é que não me sinto disposto à semelhante inclinação; é mais razoável que os párocos e beatos nos expulsem como demônios para o Marão”.  † 

Eça de Queirós


Clementino de Alencar



[1] Essa reportagem foi publicada primeiramente em 1935 pela LAKE e é a 2ª da 2ª Parte do livro “Palavras do Infinito


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