O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Coração e vida — Maria Dolores


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Justiça

  1 Este episódio aconteceu, há tempos,

  E está guardado na memória

  De quantos compartilham desta história.


  2 Um condenado à morte pela forca

  Acusado de um crime,

  Sem proteção a que se arrime,

  Tudo aceitou sem reclamar.


  3 A hora da execução chegara, enfim…

  Muita gente na praça se adensava

  No intuito de aplaudir

  A presença da morte, em estranho festim.

  Explodiam na tarde clara e quente

  Estas palavras de clamor:

  — “Morte ao bandido!… Morte ao matador!…”


  4 O prisioneiro chega e encontra o sacerdote

  Que o seguirá na cena derradeira…

  Em torno, a multidão

  Gritava rumorosa e galhofeira…

  Mas entre o padre e o réu se estabelece

  A conversa ligeira

  Que o povo crê, no fundo, condensar

  O amparo de um conselho e a bênção de uma prece

  Que o ministro de Deus promove com pesar.

  — “Filho — diz o pastor — sei que estais inocente,

  Posso agora dizer esta verdade,

  Questão de consciência e lealdade

  Que preciso estender a toda gente…”


  5 — “Padre, como sabeis?”

  — Interrogou ansioso o réu aflito —

  “Se estou no fim, segundo as nossas leis?”


  6 O sacerdote amigo

  Aconchegou-se mais ao penitente

  E lhe falou, paternalmente:

  — “Na semana passada,

  Ouvi a confissão inesperada

  Do homicida infeliz…

  Ele morreu comigo, após contar-me

  Calculando as palavras, uma a uma,

  Que não tendes culpa alguma…

  No derradeiro alento,

  Cansado de remorso e sofrimento,

  Pediu-me vos livrasse, ante as autoridades,

  Documentadamente,

  Porquanto, ele somente

  É o responsável pelo crime

  Que vos foi imputado injustamente,

  E devo executar-lhe as últimas vontades”.


  7 No entanto, o sentenciado

  Estampando na face uma expressão de horror,

  Disse, em tom abafado:

  — “Padre amigo,

  Nesse crime, não fui o matador;

  Quanto a isto, já sei,

  Mas deixai que se cumpra a exigência da lei”.

  E, fitando o pastor, de modo inesquecível

  Rematou, afinal:

  — “A justiça é de Deus e o remorso é terrível…

  Recordai vosso irmão assassinado,

  Há quase cinco anos,

  Por entre espancamentos desumanos?

  O rapaz despojado

  Da fortuna de um banco que trazia?

  Aquele vosso irmão que amáveis tanto,

  Pelo qual vossa mãe morreu de saudade e de pranto,

  Cuja morte no mundo

  Permanece envolvida em mistério profundo?”


  8 O sacerdote ouvira, trêmulo e assombrado

  Mas nada respondeu…

  Após comprida pausa, disse o condenado:

  — “O assassino fui eu…

  Não me livreis da forca a que me entrego,

  Já não aguento mais a culpa que carrego…”


  9 Pálido, o sacerdote

  Exclamou, fatigado:

  — “Para mim, já não sois o sentenciado,

  Sois também nosso irmão

  Mereceis nosso amor,

  Em nome do Senhor,

  Estais vós perdoado…”


  10 Mas, nisso, a multidão

  Crendo haver terminado aquele entendimento,

  Que lembrava um diálogo discreto,

  Avançou sobre o preso, em tumulto completo…

  Não houve qualquer tempo

  Para maior explicação.

  Aos gritos delirantes

  De “morte ao matador”

  Sob a guarda robusta

  Que tomara feitio protetor,

  O infeliz a tremer, triste e descalço,

  Subiu ao cadafalso…


  11 Alguns momentos mais,

  E o corpo entremostrando angústia indefinida,

  Balançava sem vida.

  E, na turba, a gritar, perante a horrível cena,

  Entre vaias finais e assovios plebeus,

  O sacerdote em pranto,

  Sem que o povo lhe ouvisse a palavra serena,

  Murmurava, sozinho, em pequeno recanto:

  — “A justiça é de Deus… A justiça é de Deus…”


Maria Dolores


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