O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Coração e vida — Maria Dolores


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Um retrato do aborto

  1 Perita auxiliar de ginecologia,

  Sempre atenta às questões de luxo e reconforto,

  A senhora dizia:

  — Meu problema não é a prática do aborto,

  Tento apenas livrar a mulher desprezada,

  Dos desgostos fatais que a esperam na estrada

  Quando o homem lhe fere o brio feminino…


  2 Amigos respondiam:

  — Mas, no caso, a mulher, ante as leis do destino,

  Não será responsável quando aceita

  Ser mulher-mãe do filho que carrega?

  Se ao homem que a buscou ela própria se entrega?

  Sabemos que o Espírito

  Enlaça o corpo de que se aproveita

  Quando estão, ele e ela, em comunhão perfeita.


  3 A senhora, entretanto,

  Falava, contrafeita:

  — Não protesto, nem digo que estou certa,

  Sei apenas que estou em minha profissão,

  Tanto quanto angario apreço e estimação,

  Creio que faço o bem, liberando a mulher

  Do fardo que ela traz quando não quer;

  Além do mais, preciso do dinheiro

  Para dar minha filha a um caminho seguro,

  Uma bela mansão, um marido e o futuro

  Sem aflição e sem dificuldade…

  Ela agora possui quinze anos completos;

  Sonho vê-la feliz ao dar-me vários netos…

  Para isso, o dinheiro é a base inesquecível,

  Depósito bancário é melhora de nível.

  Vejo no meu trabalho um trabalho qualquer

  Simples mulher que ajuda a uma outra mulher,

  Não tenho hesitação, nem penso quanto a isso,

  Aborto é proteção a quem presto serviço;

  Desde que a candidata chegue mascarada,

  Passo a cumprir o meu dever

  E não quero saber

  Se veio acompanhada ou desacompanhada,

  Se anota o nome ou não,

  Não quero queixa, nem complicação,

  Cada uma a que atendo é mais seis mil!…

  E aditava, esboçando um sorriso gentil:

  — Preciso de milhões…


  4 Desdobrava-se o tempo, hora por hora,

  Quando em chuvosa noite surge uma senhora,

  Pagando a taxa de seis mil cruzeiros.

  Ela explica que trouxe uma sobrinha pobre

  Para comprar a intervenção…

  Declara-se parenta e mostra-se incumbida

  De socorrer a moça e dar-lhe proteção,

  Quer mantê-la, porém, desconhecida…


  5 A senhora ouve, calma, e concorda em seguida:

  — Entendo, claramente,

  Cada pessoa está em sua própria vida…


  6 Entra no gabinete a jovem mascarada,

  Parece muda e surda que se entrega

  A uma força terrível, dura e cega…


  7 Ao ver-lhe o corpo verde de menina,

  A senhora em ação

  Elogia-lhe a pele alabastrina;

  Mas, aparentemente sem razão,

  Quando o chamado auxílio estava em meio,

  Estranha hemorragia surge em cheio…

  A jovem geme, a parteira entra em luta…

  Nada consegue… O sangue explode e vence-a.

  A dama ao telefone roga a um médico amigo

  Que lhe venha em socorro…

  Vê a moça em perigo,

  Quer salvar-lhe a existência,

  Mas o sangue que sai prossegue a jorro…


  8 Chega o médico à pressa,

  Nota a menina em coma…

  — Nada mais a fazer — diz ele quando a toma,

  A fim de examinar-lhe o pulso e, logo após,

  Diz à parteira aflita:

  — É uma jovem bonita,

  Liberemos a face, enquanto estamos sós.


  9 Ele mesmo retira a máscara em veludo

  Quer anotar-lhe o rosto para estudo…

  Eis, porém, que aparece

  A mocinha, a morrer, num sorriso tristonho,

  Qual criança que dorme a fitar a luz do último sonho…

  Mas ao ver-lhe, de todo, a face em primavera,

  Grita a pobre senhora em gemidos de fera:

  — Por que? Por que, meu Deus, esta dor que me mata?

  Em pranto convulsivo a dor se lhe desata…

  É que, ao fitar o corpo enfeitado em rendilha,

  Naquele rosto lindo e pálido, ante a morte,

  A rugir e a chorar sem nada que a conforte,

  A senhora encontrara a sua própria filha.


Maria Dolores


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