O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho — Humberto de Campos


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Pombal e os Jesuítas

1 Após o reinado de esbanjamentos de D. João V,  †  eleva-se ao trono de Portugal D. José I,  †  como o quinto rei da dinastia bragantina. O soberano escolhe para seu primeiro ministro a Sebastião José de Carvalho e Mello,  †  depois Conde de Oeiras e, mais tarde, Marquês de Pombal.

2 As falanges espirituais, desvelando-se pela evolução portuguesa, haviam escolhido previamente esse homem, para a reconstrução das energias da pátria, após os desvarios de D. João V, o monarca esbanjador e arbitrário, que nunca reuniu as cortes para uma consulta, necessária aos interesses do povo. O escolhido, porém, não soube corresponder integralmente às sagradas expectativas dos Gênios Espirituais da terra portuguesa. Se construiu grandes obras, no plano das realizações materiais, cometeu graves injustiças com a sua ditadura renovadora.

3 Pombal  †  ascendera à posição de ministro, depois de absorver as ideias novas que percorriam os setores de todas as atividades do Velho Mundo, ao sopro dos enciclopedistas. O mundo diplomático dera-lhe já a conhecer a técnica política de um Roberto Walpole  †  e, enquanto a sua pátria se algemava aos tribunais da Inquisição, com sérios prejuízos para a educação nacional, o cérebro se lhe povoava de planos audazes e reformadores.

4 Elevando-se ao trono, em 1750, D. José I escolhe-o, imediatamente, para chefe supremo do seu governo e, quando em 1755 foi Lisboa parcialmente destruída por um terremoto, o ministro renovador teve oportunidade de demonstrar as suas possibilidades criadoras reedificando a cidade, que renasceu dos seus esforços mais engrandecida e mais bela.

5 O Marquês de Pombal, todavia, desde os primórdios de sua ação no governo, não tolerava os jesuítas que, nas cortes europeias, se intrometiam em todos os negócios da política do século, com a pretensão de imunizar o mundo inteiro das correntes de pensamento da Reforma.

6 Os missionários humildes da célebre Companhia, localizados no Brasil, em honra da verdade, estavam muito longe das criminosas disputas nas quais se empenhavam os seus irmãos no outro lado do Atlântico, mas sofreram com eles a incansável perseguição, tão logo se apossou do governo o famoso ministro.

7 As tradições do povo e as profundas raízes da Companhia de Jesus, em Portugal, não lhe permitiam o banimento imediato dos membros da ordem, de sua pátria e das respecivas colonias. Uma guerra surda estabelece-se entre ele e os jesuítas.

8 Surge, afinal, o atentado contra a vida de D. José I, em 1758. No dia 3 de setembro desse ano, quando regressava de uma entrevista ao palácio da Ajuda, o soberano foi alvejado a tiros de bacamarte, partidos de um grupo de pessoas desconhecidas. As suspeitas recaíram no Marquês de Távora  †  e seus filhos, no conde de Atouguia  †  e no duque de Aveiro.  †  Conquanto fosse este último um dos implicados no movimento regicida, o mesmo não acontecia aos Távoras, inocentes daquele delito. Instaura-se um processo que terminou, apesar de todas as suas clamorosas irregularidades, com a sentença de morte para todos os implicados. Em vão, procuram os portugueses influentes na corte modificar a decisão do ministro. Os condenados sofrem os mais horrorosos suplícios em Belém, e a própria D. Leonor Tomásia,  †  Marquesa de Távora, foi decapitada.

9 Pombal aproveita o ensejo que se lhe oferece para justificar a expulsão dos jesuítas, os quais apresenta ele como autores indiretos do atentado e D. José I, n a instâncias do seu válido, assina sem hesitar o decreto de banimento.

10 Esse ato de Pombal reflete-se largamente na vida do Brasil. Todo o movimento de organização social se devia, na colônia, aos esforços dos dedicados missionários. O clero comum possuía escravos numerosos e chegava a defender o direito suposto dos escravagistas, incentivando a caça aos índios e abençoando a carga misérrima dos navios negreiros. Os jesuítas, porém, sempre trabalharam, nos primórdios da organização brasileira, dentro dos mais amplos sentimentos de humanidade. Aldeavam os índios, aprendiam a “língua geral”, a fim de influenciarem mais diretamente no seu ânimo, trazendo as tabas rústicas às comunidades da civilização e foram, talvez, naqueles tempos passados, os únicos refletores dos ensinamentos do Alto, com o seu verbo inspirado, advogando a causa de todos os infelizes. 11 A sua expulsão do Brasil retardou de muito tempo a educação das classes desfavorecidas e, se o ministro de D. José I estendeu algumas vezes o seu dinamismo renovador até à pátria do Evangelho, essas ações poucas vezes ultrapassaram o terreno material, até porque, mesmo alguns melhoramentos introduzidos no Rio de Janeiro pelo Conde de Bobadela,  †  que levantou ali a primeira oficina tipográfica do país, foram por ele destruídos à força de decretos, que representaram sérios obstáculos à facilidade de educação no território da colônia.

12 A esse tempo, contemplando a anulação dos seus esforços, os missionários humildes da cruz procuraram Ismael, com os seus aflitivos apelos. Seus trabalhos eram abandonados, por força das determinações do ministro arbitrário. Suas intenções eram incompreendidas, suas ações baldadas, no sentido de espalhar entre os sofredores as claridades consoladoras do ensino de Jesus. 13 Mas o generoso mensageiro esclarece bondosamente aos seus dedicados colaboradores.

— “Irmãos, — explica ele, — muitas vezes, aqueles próprios Espíritos que escolhemos para determinados labores terrestres, não resistem à sedução do dinheiro e da autoridade… Sentem-se traídos em suas próprias forças, entregando-se, sem resistência, ao inimigo oculto que lhes envenena o coração… 14 Deixai aos déspotas da Terra a liberdade de agir sob o império da sua ambição e da sua prepotência. Por mais que operem com as suas possibilidades no Plano Físico, a vitória pertencerá sempre a Jesus, que é a claridade suave e doce de todos os corações… 15 Temos, porém, de considerar ao lado da tirania política, que busca perder a nossa ação, o lamentável desvio dos nossos irmãos incumbidos de velar pelo patrimônio do Evangelho, no mundo europeu. Infelizmente, não têm eles procurado levar a luz espiritual às almas aflitas e sofredoras, clareando a estrada dos ignorantes e abençoando o rude labor dos simples e sim, buscam influenciar, junto dos príncipes do planeta, disputando os mais altos lugares de domínio no banquete dos poderes temporais, de todos os países em que milita a igreja do Ocidente… 16 Peçamos a Jesus pelos tiranos e pelos nossos companheiros desviados da consciência retilínea… Se terminamos, agora, uma etapa da nossa tarefa, na qual aproveitamos os elementos que nos oferecia a disciplina da Companhia fundada por Loiola, prosseguiremos nosso trabalho dentro de novas modalidades. Deixemos aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos, ( † ) como ensinou o Divino Mestre em suas lições sublimes. 17 Vossos irmãos, transformando a cruz do Cristo n num símbolo de opressão e despotismo, nos tribunais malditos da Inquisição, cavam a sepultura moral de suas almas, que se compadecem com o sacrilégio e com a ignomínia… Quanto aos políticos, eles têm uma órbita de ação que não lhes é possível ultrapassar; o tempo e a experiência, com a dor que é a sua eterna aliada, ensinarão às suas consciências a lei de fraternidade e de amor por eles esquecida, nos dias do seu fastígio e da sua glória efêmera sobre a face do mundo… Oremos por eles e que Jesus, na sua bondade infinita, nos acolha os corações sob o manto da sua misericórdia…”

18 Enquanto oravam, gotas suaves de luz derramavam-se do Céu sobre os caminhos tenebrosos da Terra e a palavra profética de Ismael teve, em breve, a sua realização.

19 A Companhia de Jesus  †  foi suprimida pelo próprio papa Clemente XIV,  †  em 1773, para reaparecer somente em 1814, com Pio VII.  †  Nunca mais puderam os jesuítas readquirir o imenso prestígio que possuíram no Ocidente; 20 e quanto ao Marquês de Pombal,  †  conheceu no silêncio a lição do abandono e do olvido dos homens. No dia em que agonizava D. José I,  †  o cardeal de Lisboa, D. João Cosme da Cunha,  †  que devia ao famoso ministro a altura da sua posição eclesiástica, afirma-lhe no aposento do moribundo: — “V. Excia. já nada mais tem que aqui fazer,” testemunhando-lhe venenosa ingratidão. E daí a algum tempo, quando subiu ao trono, D. Maria I  †  demitia-o de todas as suas funções no reino, banindo-o da corte após um rumoroso processo, onde buscou fundamentar a sua condenação. Retirando-se para a Vila de Pombal, desprendeu-se do mundo em 1782, humilhado e esquecido sob o império dos mais pungentes desgostos.


Humberto de Campos

(Irmão X)


[1] No original: “D. João I” (1357 – 1433). Houve equívoco no nome do rei.


[2] No original: “de Cristo” — Vide explicação de Allan Kardec sobre a anteposição do artigo à palavra Cristo.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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