O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Antologia dos Imortais — Autores diversos — 3ª Parte


9n

Francisca Clotilde


1

CONTO DO NATAL

1 A noite é quase gelada.
Contudo, Mariazinha
É a menina de outras noites
Que treme, tosse e caminha…


2 Guizos longe, guizos perto…
É Natal de paz e amor.
Há muitas vozes cantando:
— “Louvado seja o Senhor!”


3 A rua parece nova
Qual jardim que floresceu.
Cada vitrina enfeitada
Repete: “Jesus nasceu!”


4 Descalça, vestido roto.
Mariazinha lá vai…
Sozinha, sem mãe que a beije,
Menina triste sem pai.


5 Aqui e ali, pede um pão…
Está faminta e doente.
— “Vadia, saia depressa!”
É o grito de muita gente.


6 — “Menina ladra!” — outros dizem.
— “Fuja daqui, pata feia!
Toda criança perdida
Deve dormir na cadeia.”


7 Mariazinha tem fome
E chora, sentindo em torno
O vento que traz o aroma
Do pão aquecido ao forno.


8 Abatida, fatigada,
Depois de percurso enorme,
Estira-se na calçada…
Tenta o sono, mas não dorme.


9 Nisso, um moço calmo e belo
Surge e fala, doce e brando:
— Mariazinha, você
Está dormindo ou pensando?


10 A pequenina responde,
Erguendo os bracinhos nus:
— Hoje é noite de Natal,
Estou pensando em Jesus.


11 — Não lhe lembra mais alguém?
Ela, em lágrimas, disse:
— Eu penso também, com saudade,
Em minha mãe que morreu…


12 — Se Jesus aparecesse,
Que é que você queria?
— Queria que ele me desse
Um bolo da padaria…


13 Depois de comer, então
— E a pobre sorriu contente
Queria um par de sapatos
E uma blusa grande e quente.


14 Depois… queria uma casa,
Assim como todos têm…
Depois de tudo… eu queria
Uma boneca também…


15 — Pois saiba, Mariazinha,
Eu lhe digo que assim seja!
Você hoje terá tudo
Aquilo que mais deseja.


16 — Mas, o senhor quem é mesmo?
E ele afirma, olhos em luz:
— Sou seu amigo de sempre,
Minha filha, eu sou Jesus!…


17 Mariazinha, encantada,
Tonta de imensa alegria,
Pôs a cabeça cansada
Nos braços que ele estendia…


18 E dormiu, vendo-se outra, n
Em santo deslumbramento,
Aconchegada a Jesus,
Na glória do firmamento.


19 No outro dia, muito cedo,
Quando o lojista abre a porta,
Um corpo caiu, de leve…
A menina estava morta.


2

A PRIMEIRA PEDRA

1 A multidão tumultua
Em cada canto da praça.
Algemado, em plena rua,
É um homem triste que passa…


2 Há gritos no Sol a pino…
São vozes a descompor:
— “Donde vieste, assassino?
Celerado! Matador!…”


3 — “Fera solta! Condenado!
Gatuno! Monstro! Quem és?”
E o infeliz disse, cansado,
Mal se aguentando nos pés:


4 — “Por Deus, poupai-me a lembrança!
Basta a aflição que me corta…
Eu fui aquela criança
A quem cerrastes a porta.”


5 “Fui o pequeno mendigo
Que todos vistes passar!
Vede a miséria em que sigo,
Sem a esperança de um lar!…”


6 “Faminto, descalço e roto,
A minha vida era assim…
Cresci na lama do esgoto,
Nunca tive alguém por mim…”


7 Bebendo o pranto que rola,
Suspirou, em conclusão:
— “Debalde pedia escola
Debalde pedia pão.” n


8 Toda a praça silencia.
Somente vibram no ar n
Os soluços da agonia
De pobre mãe a chorar…


3

CANÇÃO DO TEMPO

1 Ouve a esperança que te fala ao peito:
— “Hoje é o dia
De lavrar o coração
E plantar a alegria.”


2 No relógio da Terra, o tempo é curto…
Estende, agora, as mãos, enquanto é cedo.
Sê mais feliz, fazendo almas felizes,
Sem repouso e sem medo.


3 Assevera o minuto: “faze logo.”
Diz a vida: “não temas.”
À plena luta, a chave da bondade
É solução em todos os problemas.


4 Não mostres rosto triste.
Toda mágoa entorpece…
Conserva no semblante o riso que há no sol
E o louvor que há na prece.


5 Se podes trabalhar,
Reflete na semente
Que, lançada no solo,
É o pão de tanta gente!…


6 Procura no perdão a paz de novo,
Não te abandones à ilusão da ira.
Desculpa, de alma limpa, tantas vezes
Quantas vezes alguém te bata ou fira.


7 Não te prendas a dores de passagem,
Nem a posses terrenas…
Demoras-te no mundo
Por instantes apenas.


8 Todo mal que pratiques
É sombra a segregar-te em cativeiro;
Mas todo bem que faças
É amor vibrando no Universo inteiro…


9 Hoje é o dia de ajudar e abençoar, de entender e construir, n
Segundo a fé que, em ti, refulge e arde.
Amanhã, outro dia talvez diga:
— “Não prossigas além, que é muito tarde…”


3-A

CANTA, CORAÇÃO…

1 “Quem espera sempre alcança”,
Afirma velho rifão…
Coração, segue e confia,
Canta a vida, coração! n


2 A Terra é escola de luta;
A luta é a força de escol. 150 n
Todo sonho busca a frente,
Tudo espera, sob o Sol.


3 A semente espera a flor,
Que deitará, no porvir;
Anseia a flor pelo fruto,
O fruto espera servir. 156


4 A esperança é luz no tempo,
E o próprio tempo a conduz;
Cada noite espera a aurora,
A aurora espera mais luz. 160


5 Se hoje curtes, de alma aflita,
Provação, névoa, pesar,
Amanhã é novo dia,
Não te canses de esperar.


6 “Quem espera sempre alcança”,
Afirma velho rifão…
Coração, segue e confia,
Canta a vida, coração!


FRANCISCA CLOTILDE Barbosa Lima — Poetisa, contista e romancista, exerceu o magistério até os últimos dias de sua existência terrena, tendo sido a primeira mulher a lecionar na primeira Escola Normal do Estado do Ceará (Cf. Jangada, revista da Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno, 1º trimestre de 1953, conferência de Maria Stella Barbosa de Araújo sobre Francisca Clotilde). Foi figura importante do “Clube Literário” do Ceará, em cujo órgão A Quinzena publicou vários sonetos “repassados de lirismo e cheios de beleza”. Colaborou, ainda, em diversos periódicos cearenses, e fundou a revista mensal A Estrela, de larga e brilhante existência. Como jornalista, a sua pena era das mais inflamadas, especialmente quando se tratava das questões de caráter nacional. Raimundo Magalhães e Mário Linhares referiram-se elogiosamente à “distinta patrícia”, que foi grande amiga da juventude, sobretudo das crianças. (S. João de Inhamuns, hoje Tauá, Ceará, 19 de Outubro de 1862 — Aracati, Ceará, 8 de Dezembro de 1935.)

BIBLIOGRAFIA: Coleção de Contos; Noções de Aritmética; Fabíola; etc.



[1] As poesias de números ímpares foram recebidas pelo médium Francisco Cândido Xavier e as de números pares pelo médium Waldo Vieira. Dispomo-las assim, por sugestão dos Amigos Espirituais.

[2] Leia-se com hiato: “ven/do/-se/ ou/tra”.

[3] Observe-se a anáfora: “Debalde…/ Debalde…”

[4] Contem-se assim as sílabas: “So/men/te/ vi/bram/ no/ ar”.

[5] Verso bárbaro este, belíssimo, aliás. Natural num poema como este, de ritmo admirável em que se associam decassílabos sáficos e heroicos, um alexandrino na quarta estância, hexassílabos e versos de metros menores, em tetrásticos.

[6] Note-se a epanadiplose.

[7] 150-156-160. Observem-se os exemplos de anadiplose.


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