O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano XII — Janeiro de 1869.

(Idioma francês)

O ESPIRITISMO EM TODA PARTE.


Sílvio Pellico.

(Extraído de Mes Prisons - Google Books, por Sílvio Pellico, capítulo XLV e XLVI.)

1. — “Semelhante estado era uma verdadeira doença; não sei se devo dizer uma espécie de sonambulismo. Parecia-me que havia em mim dois homens: um que queria escrever continuamente, outro que queria fazer outra coisa…

“Durante essas noites horríveis, por vezes minha imaginação se exaltava a tal ponto que, bem desperto, me parecia ouvir em minha prisão, ora gemidos, ora risos abafados. Desde a infância jamais tinha acreditado em feiticeiros, nem em Espíritos, mas agora esses risos e esses ruídos me assustavam; não sabia como explicá-los; era forçado a duvidar se não era joguete de alguma força desconhecida e malfazeja.

“Várias vezes, trêmulo, tomei da luz e olhei se alguém não estaria escondido sob o meu leito, para se divertir comigo. Quando estava à mesa, ora me parecia que alguém me puxava pela roupa, ora que empurravam um livro que caía no chão; também pensava que uma pessoa, atrás de mim, soprava a vela para que ela se apagasse. Então, erguendo-me precipitadamente, olhava em meu redor; andava desconfiado e me perguntava se estava louco ou na plenitude da razão, porque, em meio a tudo que experimentava, não mais sabia distinguir a realidade da ilusão, e exclamava com angústia: Deus meus, Deus meus, ut guid dereliquisti me? ( † )

“Uma vez, tendo me deitado antes da aurora, julguei estar perfeitamente seguro de haver posto meu lenço sob o travesseiro. Depois de um momento de torpor, despertei como de costume e pareceu-me que me estrangulavam. Senti o pescoço bem apertado. Coisa estranha! estava envolto no meu lenço, fortemente amarrado por vários nós! Eu teria jurado não ter dado esses nós, não haver tocado no lenço desde que o pusera sob o travesseiro. Era preciso que o tivesse feito sonhando ou num acesso de delírio, sem guardar a menor lembrança. Mas não podia crê-lo, e, desde esse momento, todas as noites temia ser estrangulado.”


2. — Se alguns desses fatos podem ser atribuídos a uma imaginação superexcitada pelo sofrimento, outros há que realmente parecem ser provocados por agentes invisíveis, e não se deve esquecer que Sílvio Pellico não acreditava nessas coisas. Esta causa não podia acudir-lhe ao pensamento e, na impossibilidade de explicá-la, o que se passava à sua volta enchia-o de terror. Hoje, que seu Espírito está desprendido do véu da matéria, ele se dá conta não só desses fatos, mas das diversas peripécias de sua vida; reconhece como justo o que antes lhe parecia injusto. Deu sua explicação na comunicação seguinte, solicitada com esta finalidade.


(Sociedade de Paris,  †  18 de outubro de 1867.)

Como é grande e poderoso esse Deus que os humanos rebaixam sem cessar, querendo defini-lo, e como as mesquinhas paixões que lhe atribuímos para o compreender são uma prova de nossa fraqueza e de nosso pouco adiantamento! um Deus vingador! um Deus juiz! um Deus carrasco! Não; tudo isto só existe na imaginação humana, incapaz de compreender o infinito. Que louca temeridade querer definir Deus! Ele é o incompreensível e o indefinível, e não podemos senão nos inclinar sob sua mão poderosa, sem procurar compreender e analisar sua natureza. Os fatos aí estão para provar que ele existe! Estudemos esses fatos e, por meio deles, remontemos de causa em causa tão longe quanto possamos ir; mas não nos lancemos à causa das causas senão quando possuirmos inteiramente as causas secundárias e quando compreendermos todos os seus efeitos!…

Sim, as leis do Eterno são imutáveis! Hoje elas ferem o culpado, como sempre o feriram, conforme a natureza das faltas cometidas e proporcionalmente a essas faltas. Ferem de maneira inexorável, e são seguidas de consequências morais, não fatais, mas inevitáveis. A pena de talião é um fato, e a palavra da antiga lei “Olho por olho, dente por dente”,   ( † ) cumpre-se em todo o seu rigor. Não só o orgulhoso é humilhado, mas é ferido em seu orgulho da mesma maneira por que feriu os outros. O juiz iníquo se vê condenar injustamente; o déspota tornar-se oprimido!

Sim, governei os homens; fi-los dobrarem-se sob um jugo de ferro; eu os feri em suas afeições e em sua liberdade; e mais tarde, por minha vez, tive que me dobrar ao opressor, fui privado de minhas afeições e de minha liberdade!

Mas como o opressor da véspera pode tornar-se o republicano do dia seguinte? A coisa é das mais simples e a observação dos fatos que se passam aos vossos olhos deveria vos dar a chave. Não vedes, no curso de uma só existência, uma mesma personalidade ora dominadora, ora dominada? e não acontece que, se governa despoticamente no primeiro caso, é, no segundo, uma das que mais energicamente lutam contra o despotismo?

Sucede a mesma coisa de uma existência a outra. Certamente esta não é uma regra sem exceção, mas, em geral, os que aparentemente são os mais obstinados liberais, foram outrora os mais ardentes partidários do poder; e isto se compreende, porque é lógico que os que estavam habituados por muito tempo a reinar sem contestação e a satisfazer sem entraves os seus mínimos caprichos, sejam os que mais sofram a opressão, e os mais ardentes para sacudir o seu jugo.

O despotismo e seus excessos, por uma admirável consequência das leis de Deus, arrastam necessariamente os que os exercem a um amor imoderado da liberdade, e esses dois excessos, consumindo-se reciprocamente, trazem inevitavelmente a calma e a moderação.

Tais são, a propósito do desejo que exprimistes, as explicações que julguei por bem vos dar. Ficarei contente se elas puderem vos satisfazer.


Sílvio Pellico. n



[1] [v. Sílvio Pellico.]


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