O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano X — Agosto de 1867.

(Idioma francês)

Jean Rysak, a força do remorso.

Estudo moral.

1. — Escrevem de Winschoten,  †  em 2 de maio de 1867, ao Journal de Bruxelles:  † 

Sábado passado, um operário cavouqueiro de nossa comuna apresentou-se à casa do guarda rural, onde intimou esse funcionário a prendê-lo e o entregar à justiça, diante da qual, dizia, deveria fazer a confissão de um crime por ele cometido há vários anos. Levado à presença do burgomestre, esse operário, que declarou chamar-se J. Ryzak, fez o seguinte relato:

“Há cerca de doze anos eu era empregado nos trabalhos de dessecamento do lago de Harlem, quando um dia o cabo, pagando a minha quinzena, entregou-me o soldo devido a um de meus camaradas, com ordem de o entregar a este último. Gastei o dinheiro e, querendo evitar os dissabores das investigações, resolvi matar o amigo a quem acabava de roubar. Para isto, precipitei-o num dos abismos do lago, mas, vendo-o voltar à superfície e fazer esforços para nadar para a margem, dei-lhe duas facadas na nuca.

“Tão logo cometi o crime, comecei a sentir remorso. Em breve tornou-se intolerável e foi-me impossível continuar no trabalho. Comecei por fugir do teatro do meu crime, e não achando em parte alguma do país nem paz nem trégua, embarquei para as Índias, onde me engajei no exército colonial. Mas lá, também, o espectro de minha vítima perseguiu-me noite e dia; minhas torturas eram incessantes e inauditas e, assim que terminou o meu tempo de serviço, uma força irresistível impeliu-me a voltar a Winschoten e a pedir à justiça o apaziguamento de minha consciência. Ela mo dará, impondo-me a expiação que julgar conveniente. E se ordenar que eu morra, prefiro este suplício à tortura que me faz experimentar, há doze anos, a toda hora do dia e da noite, o carrasco que trago no peito.”

Após esta declaração, e certificando-se de que o homem que estava à sua frente era são de espírito, o burgomestre requisitou a polícia, que prendeu Ryzak e relatou imediatamente o fato ao oficial de justiça.

Aqui se aguarda com emoção os desdobramentos que poderá ter este estranho acontecimento.


2. INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS SOBRE ESTE CASO.

(Sociedade de Paris,  †  10 de maio de 1867. – Médium: Srta. Lateltin.)

Como sabeis, cada ser tem a liberdade do bem e do mal, o que chamais de livre-arbítrio. O homem tem em si a consciência, que o adverte quando fez bem ou fez mal, cometeu uma má ação ou descurou de fazer o bem; sua consciência que, como guardiã vigilante, encarregada de velar por ele, aprova ou desaprova sua conduta. Muitas vezes acontece que se mostre rebelde à sua voz, que repila suas inspirações; quer sufocá-la pelo esquecimento; mas jamais ela é completamente aniquilada para que, num dado momento, não desperte mais forte e mais poderosa e não exerça um severo controle de vossas ações.

A consciência produz dois efeitos diferentes: a satisfação de ter agido bem, a paz que deixa a consciência do dever cumprido, e o remorso que penetra e tortura quando se praticou uma ação reprovada por Deus, pelos homens ou pela honra. É, propriamente falando, o senso moral. O remorso é como uma serpente de mil voltas, que circula em redor do coração e o destrói; é o remorso que sempre faz ouvir as mesmas inflexões e vos grita: Fizeste uma ação má; deverás ser punido; teu castigo só cessará depois da reparação. E quando, a este suplício de uma consciência atormentada, vem juntar-se a visão constante da vítima, da pessoa a quem se fez o mal; quando, sem repouso nem trégua, sua presença exprobra ao culpado sua conduta indigna, repetindo-lhe incessantemente que sofrerá enquanto não tiver expiado e reparado o mal que fez, o suplício se torna intolerável. É então que, para pôr fim às suas torturas, seu orgulho se dobra e ele confessa seus crimes. O mal traz em si a sua pena, pelo remorso que deixa e pelos reproches feitos pela só presença daqueles contra os quais se agiu mal.

Crede-me, escutai sempre essa voz que vos adverte quando estais prestes a falir; não a sufoqueis pela revolta do vosso orgulho; e se falirdes, apressai-vos em reparar o mal, sem o que o remorso será a vossa punição. Quanto mais vos demorardes, mais penosa será a reparação e mais prolongado o suplício.


Um Espírito.


(Mesma sessão. – Médium: Sra. B…)

Hoje tendes um exemplo notável da punição que sofrem, mesmo na Terra, os que se tornaram culpados de uma ação má. Não é somente no mundo invisível que a visão da vítima vem atormentar o assassino para o forçar ao arrependimento; lá onde a justiça dos homens não começou a expiação, a justiça divina faz começar, à revelia de todos, o mais lento e o mais terrível dos suplícios, o mais temível castigo.

Há certas pessoas que dizem que a punição infligida ao criminoso no mundo dos Espíritos, e que consiste na visão contínua de seu crime, não pode ser muito eficaz, e que em nenhum caso não é esta punição que, por si só, determina o arrependimento. Dizem que um naturalmente perverso, como é um criminoso, não pode senão amargurar-se cada vez mais por essa visão, e assim se tornando pior. Os que assim falam não fazem ideia do que pode tornar-se um tal castigo; não sabem quanto é cruel esse espetáculo contínuo de uma ação que jamais se queria haver cometido. Certamente vemos alguns criminosos empedernidos, mas muitas vezes é só por orgulho e por quererem parecer mais fortes que a mão que os castiga; é para fazer crer que não se deixam abater pela visão de imagens vãs; mas essa falsa coragem não tem longa duração, pois logo os vemos fraquejar em presença desse suplício, que deve muito de seus efeitos à sua lentidão e persistência. Não há orgulho que possa resistir a esta ação, semelhante à da gota d'água sobre a rocha; por mais dura que possa ser a pedra, é inevitavelmente atacada, desagregada, reduzida a pó. É assim que o orgulho, que faz com que esses infelizes se obstinem contra seu soberano senhor, mais cedo ou mais tarde é abatido, e que o arrependimento, enfim, pode ter acesso à sua alma. Como sabem que a origem de seus sofrimentos está em sua falta, pedem para repará-la, a fim de trazer um abrandamento a seus males.

Aos que pudessem duvidar, não tendes senão que citar o fato que vos foi assinalado esta noite; ali não é só a hipótese, não é mais o só ensinamento dos Espíritos, mas um exemplo de certo modo palpável, que se vos apresenta. Nesse exemplo, o castigo seguiu de perto a falta e foi tal que, ao cabo de vários anos, forçou o culpado a pedir a expiação de seu crime à justiça humana, e ele mesmo disse que todas as penas, a própria morte, lhe pareceriam menos cruéis do que aquilo que sofria, no momento em que se entregou à justiça.


Um Espírito.


Observação. – Sem ir buscar aplicações do remorso nos grandes criminosos, que são exceções na sociedade, nós as encontramos nas mais ordinárias circunstâncias da vida. É esse sentimento que leva todo indivíduo a afastar-se daqueles contra os quais sente que tem censuras a se fazer; em presença deles sente-se mal; se a falta não for conhecida, ele teme ser adivinhado; parece-lhe que um olhar pode penetrar o fundo de sua consciência; vê em toda palavra, em todo gesto uma alusão à sua pessoa, razão por que, desde que se sente desmascarado, retira-se. O ingrato também foge de seu benfeitor, já que sua visão é uma censura incessante, da qual em vão procura desembaraçar-se, pois uma voz íntima lhe grita no fundo da consciência que ele é culpado.

Se o remorso já é um suplício na Terra, quão maior não será esse suplício no mundo dos Espíritos, onde não é possível subtrair-se à vista daqueles a quem se ofendeu! Felizes os que, tendo reparado já nesta vida, poderão sem receio enfrentar todos os olhares no mundo onde nada é oculto.

O remorso é uma consequência do desenvolvimento do senso moral; não existe onde o senso moral ainda se acha em estado latente. É por isto que os povos selvagens e bárbaros cometem sem remorsos as piores ações. Aquele, pois, que se pretendesse inacessível ao remorso, assimilar-se-ia ao bruto. À medida que o homem progride, o senso moral torna-se mais apurado; ofusca-se ao menor desvio do reto caminho. Daí o remorso, que é o primeiro passo para o retorno ao bem.


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