O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IV — Novembro de 1861.

(Idioma francês)


O Espiritismo na América.

Fragmentos traduzidos do inglês pela Srta. Clémence Guérin.  n

O Espiritismo conta na América homens eminentes que, desde o princípio, lhe avaliaram o alcance e nele viram algo mais do que simples manifestações. Nesse número está o juiz Edmonds, de Nova Iorque,  †  cujos escritos sobre esse importante assunto são bastante apreciados, mas muito pouco conhecidos na Europa, onde ainda não foram traduzidos. Devemos ser gratos à Srta. Guérin por nos dar uma ideia deles através de alguns fragmentos publicados em sua brochura. Apenas lamentamos não tenha ela acabado sua obra por uma tradução completa. Ela junta alguns extratos não menos notáveis do Dr. Hare, de Filadélfia,  †  que, também ele, teve a ousadia de ser um dos primeiros a afirmar sua fé nas novas revelações.

A Srta. Guérin, que residiu muito tempo na América, onde viu se produzirem e se desenvolverem as primeiras manifestações, é uma dessas espíritas sinceras, conscienciosas, que tudo julgam com calma, sangue-frio e sem entusiasmo. Temos a honra de conhecê-la pessoalmente e nos sentimos felizes por lhe dar aqui um testemunho merecido de nossa profunda estima. Pelo seguinte trecho de sua introdução, pode-se ver que nossa opinião é justamente motivada.

“Como os americanos, temos, a Fé profunda, a esperança radiosa de que esta doutrina, tão eminentemente baseada na caridade – não esmola, mas amor – seja bem aquela que deve regenerar e pacificar o mundo. Jamais a solidariedade fraternal foi demonstrada de maneira mais clara, nem de modo mais sedutor. Vindo consolar-nos, ajudar-nos, instruir-nos, indicar-nos, enfim, o melhor uso a ser feito de nossas faculdades, tendo em vista o futuro, os Espíritos são de tal modo desinteressados que o homem não os pode ouvir muito tempo sem experimentar o desejo de os imitar, sem procurar ao seu redor alguém para participar dos benefícios que lhe dispensaram tão generosamente. Ele o faz com tanto mais boa vontade quanto compreende que seu próprio progresso tem esse preço e que, no grande livro de Deus, não são levados a seu favor senão os atos praticados em vista do bem-estar material ou moral de seus irmãos. O que os Espíritos fazem com sucesso neste momento foi tentado muitas vezes na Terra por nobres corações, por almas corajosas, que foram e ainda são desconhecidos e ridicularizados. Suspeitam de seu devotamento e não é senão quando desaparecem que têm chance de ser julgados com imparcialidade. Eis por que Deus lhes permite continuar a obra após aquilo a que chamamos morte.

“Não é o caso de repetir com Davis: Nada temais, irmãos; sendo mortal, o erro não pode viver; sendo imortal, a verdade não pode morrer!”

Clémence Guérin.


A passagem seguinte, do juiz Edmonds, mostrará com que precisão ele entrevira as consequências do Espiritismo. Não se deve esquecer que escrevia em 1854, época em que o Espiritismo na América, como na Europa, ainda era novo.

“Falsas ou verdadeiras, outros julgarão as minhas deduções. Meu objetivo será atingido se, falando do efeito produzido em meu espírito por essas revelações, eu tiver feito brotar em alguns o desejo de também pesquisar e assim levar novas luzes ao estudo desses fenômenos. Até aqui, os mais impetuosos adversários, os que, na sua indignação, gritam contra a impostura, são também os mais obstinados na sua recusa de nada ver ou ouvir sobre isto, os mais decididos a permanecer na completa ignorância da natureza dos fatos. Homens com reputação de saber, se não de ciência, não temem comprometê-la dando explicações que não satisfazem a ninguém, baseadas em observações superficiais, feitas com tal leviandade que faria corar um estudante.

“Entretanto, não é uma coisa indiferente esse novo poder inerente ao homem (connected with man), e que, sem a menor dúvida, terá sobre o seu destino uma influência considerável, para o bem ou para o mal.

“E já podemos ver que, desde a origem, apenas há cinco anos, a ideia espiritualista se propagou com uma rapidez que a igreja cristã não havia igualado em cem anos. Ela não procura os lugares isolados, não se envolve em mistérios, mas vem abertamente aos homens, provocando minucioso exame de sua parte, não exigindo uma fé cega, mas recomendando, em todas as circunstâncias, o exercício da razão e da livre apreciação.

“Vimos que as zombarias dos filósofos não conseguiram desviar um só crente; que os sarcasmos da imprensa, os anátemas do púlpito são igualmente impotentes para deter o progresso e, sobretudo, já podemos constatar sua influência moralizadora. O verdadeiro crente torna-se sempre mais prudente e melhor (a wiser and a better man), porque lhe foi demonstrado que a sobrevivência do homem após a morte do corpo está positivamente provada. Todos quantos, seriamente e com sinceridade, conduziram suas investigações sobre o assunto, tiveram suas provas irrefutáveis. Como poderia ser de outro modo? Eis uma inteligência que nos fala todos os dias; é um amigo. (Em geral os americanos começam conversando com parentes ou amigos). Ele prova a sua identidade por mil circunstâncias que não podem deixar a menor dúvida, pelas numerosas recordações que só ele pode conhecer. Fala-nos das consequências da vida terrena e nos pinta a vida futura em cores tão racionais que nós sentimos que diz a verdade, tanto se conforma com a ideia íntima que fazíamos da Divindade e dos deveres que ela nos impõe.

“A morte não nos separa daqueles a quem amamos. Muitas vezes eles estão junto de nós, ajudam-nos e nos consolam pela esperança de uma reunião certa. Quantas vezes os vi para mim e para os outros! Quantas pessoas desoladas vi acalmadas pela doce certeza de que o ser querido, “trazido pelos laços do amor, adeja em torno delas, murmura-lhes ao ouvido, contempla a sua alma, conversa com seu Espírito!”

“Assim, a morte se acha despojada do cortejo de terrores misteriosos e indefinidos com que foi cercada por aqueles que confiam mais na degradante paixão do medo que no nobre sentimento do amor.

“Notemos, por alto que, sejam quais forem os matizes no ensino da nova filosofia, todos os seus discípulos se entendem sobre este ponto: a morte não é um espantalho, mas um fenômeno natural, de passagem a uma existência em que, livre de mil males da vida material e dos entraves que o confinam num mesmo planeta, o Espírito pode percorrer a imensidade dos mundos, levantar voo para regiões onde a glória de Deus é realmente visível.

“Está igualmente demonstrado (demonstrated) que os nossos mais secretos pensamentos são conhecidos pelos seres que nos amaram e que continuam a velar por nós. É em vão que tentaríamos nos livrar dessa inquisição, terrível por sua própria benevolência. Não é possível duvidar, como quiseram. Muitas vezes fiquei estupefato e me arrepiei ante a revelação imprevista, mas irrecusável, de que os mais íntimos refolhos da consciência podem ser revistados justamente por aqueles a quem quereríamos ocultar nossas fraquezas.

“Não está aí um freio salutar contra os maus pensamentos, os atos criminosos, na maioria das vezes cometidos porque o culpado se tranquilizou por estas palavras: “Ninguém ficará sabendo…” Se algo pode confirmar esta verdade tão terrificante para alguns, é a lembrança do que cada um experimenta após uma boa ação, mesmo quando ficou secreta: um contentamento íntimo incomparável. Esses o sabem muito bem, pois a mão esquerda ignora o que dá a direita. É, pois, racional, crer que se nossos amigos nos podem felicitar, também nos podem admoestar; se veem nossos atos meritórios, igualmente percebem os nossos defeitos.

“A isto não hesitamos em atribuir o fato incontestável e inconteste, de que não há verdadeiro crente que não se tenha tornado melhor.

“De nossa conduta, de nossa submissão a este grande preceito: AMAR A DEUS E AO PRÓXIMO…  ( † ) depende o nosso destino futuro, e não de nossa adesão a esta ou àquela seita religiosa. Não devemos postergar a nossa conversão e sim trabalhar, nós mesmos, pela nossa salvação, agora, e não mais tarde, hoje, e não amanhã.

 “Que haverá de mais consolador, mais reconfortante para a alma virtuosa, através das provas e vicissitudes desta vida, do que a certeza completa de que sua felicidade futura depende de suas ações, que ela pode dirigir?

“Por outro lado o vicioso, o mau, o cruel, o egoísta, sobretudo o egoísta, sofrerá por si e pelos outros (self and mutual torment) tormentos mais terríveis que os do inferno material, tal qual a imaginação mais desordenada jamais pôde conceber.”

Allan Kardec.



Paris. — Typ. H. CARION, rue Bonaparte, 64.  † 


[1] Brochura grande in-18, preço 1 fr. Dentu, Palais Royal,  †  galeria d’Orléans.


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