O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano III — Fevereiro de 1860.

(Idioma francês)

História de um danado.

(Sociedade, 9 de dezembro de 1859. – Primeira sessão.)
(Sumário)

O Sr. de la Roche, membro titular, comunica o seguinte fato, que é de seu conhecimento pessoal:

Numa pequena casa perto de Castelnaudary  †  ocorriam barulhos estranhos e manifestações diversas que levavam a considerá-la como assombrada por algum mau gênio. Por conta disso, foi exorcizada em 1848 e nela colocaram grande número de imagens de santos. Então, querendo habitá-la, o Sr. D…. mandou fazer reparos e retirar as gravuras. Depois de alguns anos, ali morreu subitamente. Seu filho, que a ocupa atualmente, ou pelo menos a ocupava até há pouco, certo dia recebeu, ao entrar num aposento, forte bofetada de mão invisível. Como estivesse completamente só, não duvidou que ela proviesse de uma fonte oculta. Agora não quer mais ficar lá e vai deixá-la definitivamente. Há, na região, a tradição segundo a qual um grande crime teria sido cometido naquela casa.

Interrogado sobre a possibilidade de evocar o esbofeteador, São Luís respondeu que sim.

Chamado, o Espírito se manifesta por sinais de violência; o médium é tomado de extrema agitação, sete ou oito lápis são quebrados, vários são atirados sobre os assistentes, uma página é rasgada e coberta de traços insignificantes, feitos com cólera. Todos os esforços para o acalmar mostram-se impotentes.

Pressionado a responder às perguntas que lhe são dirigidas, escreve com a maior dificuldade um não quase indecifrável.


1. (A São Luís) Teríeis a bondade de nos dar algumas informações sobre este Espírito, já que ele mesmo não pode ou não as quer dar?

Resposta. – É um Espírito da pior espécie, um verdadeiro monstro. Nós o fizemos vir, mas não nos foi possível obrigá-lo a escrever, malgrado tudo quanto lhe foi dito. Ele tem seu livre-arbítrio; mas, infeliz, dele faz triste uso.


2. Há muito tempo que morreu como homem?

Resposta. – Tomai informações; foi ele que cometeu o crime, cuja lenda existe na região.


3. Quem era ele em vida?

Resposta. – Sabê-lo-eis por vós mesmos.


4. É ele, pois, que assombra a casa atualmente?

Resposta. – Sem dúvida, pois foi assim que vo-lo fiz chamar a atenção.


5. Os exorcismos praticados não foram capazes de expulsá-lo?

Resposta. – De modo algum.


6. Ele tem algo a ver com a morte súbita do Sr. D….?

Resposta. – Sim.


7. De que maneira contribuiu para essa morte?

Resp. – Pelo pavor.


8. Foi ele quem deu a bofetada no filho do Sr. D….?

Resposta. – Sim.


9. Poderia ter dado outra em qualquer um de nós?

Resp. – Mas, certamente; vontade não lhe faltava.


10. Por que não o fez?

Resposta. – Não lhe foi permitido.


11. Haveria um meio de o desalojar daquela casa? Qual seria?

Resposta. – Se quiserem desembaraçar-se da obsessão de semelhantes Espíritos, será fácil, orando por eles: é o que sempre descuram fazer. Preferem apavorá-los com fórmulas de exorcismos, que os divertem muito.


12. Dando às pessoas interessadas a ideia de orar por esse Espírito, e orando nós mesmos por ele, seria possível desalojá-lo?

Resposta. – Sim. Mas notai que eu disse orar, e não mandar orar.


13. Esse Espírito é susceptível de melhora?

Resposta. – Por que não? Não o são todos, este como os outros? Contudo, é preciso enfrentar dificuldades. Mas, por mais perverso que seja, o bem em retribuição ao mal acabará por tocá-lo. Que orem primeiramente e o evoquem dentro de um mês; assim podereis julgar da mudança que nele se terá operado.


14. Esse Espírito é sofredor e infeliz. Podeis descrever o gênero de sofrimentos que ele suporta?

Resposta. – Está convencido de que deverá ficar eterna-mente na situação em que se encontra. Vê-se constantemente no momento em que praticou o crime: qualquer outra lembrança lhe foi apagada, e interdita qualquer comunicação com outro Espírito. Na Terra só pode estar naquela casa e, quando no espaço, nas trevas e na solidão.


15. De onde vinha, antes da última encarnação? A que raça pertencia?

Resposta. – Havia tido uma existência entre as tribos mais ferozes e mais selvagens e, precedentemente, vinha de um planeta inferior à Terra.


16. Se esse Espírito reencarnasse, em que categoria de indivíduos iria encontrar-se?

Resposta. – Vai depender dele e do arrependimento que experimentar.


17. Em sua próxima existência corporal poderia ser o que se chama um homem de bem?

Resposta. – Isto seria difícil. O que quer que faça, não poderá evitar uma existência bastante tempestuosa.


Observação. – A Sra. X…., médium vidente que assistia à sessão, viu esse Espírito no momento em que queriam que escrevesse: sacudia o braço do médium; seu aspecto era aterrador; vestia uma camisa coberta de sangue e tinha um punhal.

O Sr. e a Sra. E…, que assistiam à sessão como ouvintes, embora ainda não fossem sócios, desde a mesma noite atenderam à recomendação feita em favor do infeliz Espírito e oraram por ele. Obtiveram várias comunicações, assim como de suas vítimas. Narrá-las-emos na ordem em que foram recebidas e as que, sobre o mesmo assunto, foram obtidas na Sociedade. Além do interesse ligado a essa dramática história, ressalta um ensinamento que a ninguém escapará.


(Segunda sessão – casa do Sr. E…)

18. (Ao Espírito familiar) Podes dizer-nos alguma coisa a respeito do Espírito de Castelnaudary?

Resposta. – Evoca-o.


19. Será mal?

Resposta. – Verás.


20. Que devemos fazer?

Resposta. – Não lhe falar, se nada tens a dizer-lhe.


21. Se lhe falarmos para lamentarmos o seu sofrimento, isso lhe fará bem?

Resposta. – A compaixão sempre faz bem aos infelizes.


22. Evocação do Espírito de Castelnaudary.

Resposta. – Que querem de mim?


23. Nós te chamamos a fim de te sermos úteis.

Resposta. – Oh! vossa piedade me faz bem, porque sofro…. oh! Como sofro!…. Que Deus tenha piedade de mim!…. Perdão!…. Perdão!


24. Nossas preces ser-te-ão salutares?

Resposta. – Sim; orai, orai.


25. Pois bem! Oraremos por ti.

Resposta. – Obrigado! Tu, pelo menos, não me amaldiçoas.


26. Por que não quiseste escrever na Sociedade, quando te chamaram?

Resposta. – Oh! maldição!


27. Maldição para quem?

Resposta. – Para mim, que expio muito cruelmente os crimes nos quais a minha vontade não teve senão uma pequena parte.


Observação – Dizendo que sua vontade só tomou uma pequena parte em seus crimes, quer atenuá-los, como se soube mais tarde.


28. Se te arrependeres, serás perdoado?

Resposta. – Oh! jamais!


29. Não desesperes.

Resposta. – Eternidade de sofrimentos, tal é a minha sorte.


30. Qual é o teu sofrimento?

Resposta. – O que há de mais horrível; não o podes compreender.


31. Oraram por ti desde ontem à noite?

Resposta. – Sim; mas sofro ainda mais.


32. Como assim?

Resposta. – Sei lá!


Observação. – Esta circunstância será explicada mais tarde.


33. Deve-se fazer algo em relação à casa onde te instalaste?

Resposta. – Não, não! Não me falem disso…. Perdão, meu Deus! Já sofri muito.


34. Tens que permanecer lá?

Resposta. – A isso estou condenado.


35. Será para que tenhas constantemente teus crimes à vista?

Resposta. – E isso.


36. Não desesperes; tudo pode ser perdoado com o arrependimento.

Resposta. – Não; não há perdão para Caim.


37. Mataste, pois, teu irmão?

Resposta. – Somos todos irmãos.


38. Por que quisestes fazer mal ao Sr. D….?

Resposta. – Chega! por piedade, chega!


39. Então, adeus; tem confiança na misericórdia divina!

Resposta. – Orai.


(Terceira sessão.)

40. Evocação.

Resposta. – Estou junto de vós.


41. Começas a ter esperança?

Resposta. – Sim, meu arrependimento é grande.


42. Qual era o teu nome?

Resposta. – Sabereis mais tarde.


43. Há quantos anos sofres?

Resposta. – Há 200 anos.


44. Em que época cometeste o crime?

Resp. – Em 1608.


45. Podes repetir as datas para no-las confirmar?

Resposta. – Inútil; uma vez é bastante. Adeus; eu vos falarei amanhã. Uma força me chama.


(Quarta sessão.)

46. Evocação.

Resposta. – Obrigado, Hugo (nome de batismo do Sr. E…).


47. Queres falar do que se passou em Castelnaudary?

Resposta. – Não; fazeis-me sofrer quando falais disto. Não é generoso de vossa parte.


48. Sabes muito bem que se falamos disto é com vistas a poder esclarecer a tua posição e não a agravá-la. Assim, fala sem temor. Como foste levado a cometer esse crime?

Resposta. – Um momento de alucinação.


49. Houve premeditação?

Resposta. – Não.


50. Não pode ser verdade. Teus sofrimentos provam que és mais culpado do que dizes. Já sabes que só pelo arrependimento poderás suavizar a tua sorte, e não pela mentira. Vamos! Sê franco.

Resposta. – Bem! Já que é preciso, seja.


51. Foi um homem ou uma mulher que mataste?

Resposta. – Um homem.


52. Como causaste a morte do Sr. D….?

Resposta. – Apareci-lhe visivelmente e me encontrava de tal forma horrendo que minha simples visão o matou.


53. Fizeste-o de propósito?

Resposta. – Sim.


54. Por quê?

Resposta. – Ele quis me desafiar; e eu ainda faria outro tanto, se me viesse tentar.


55. Se eu fosse morar naquela casa, tu me farias mal?

Resposta. – Oh! não, certamente; tens piedade de mim e me desejas o bem.


56. O Sr. D…. morreu instantaneamente?

Resposta. – Não; foi tomado pelo medo, mas não morreu senão duas horas depois.


57. Por que te limitaste a dar uma bofetada no Sr. D…. Filho?

Resposta. – Era demais ter matado dois homens.


(Quinta sessão. – Sociedade, 16 de dezembro de 1859.)

58. Perguntas dirigidas a São Luís – O Espírito que se comunicou com o Sr. e a Sra. E… é realmente o de Castelnaudary?

Resposta. – Sim.


59. Como pôde comunicar-se a eles tão prontamente?

Resposta. – A Sociedade ainda o ignorava. Ele não se havia arrependido; o arrependimento é tudo.


60. São exatas as informações por ele dadas sobre o crime?

Resposta. – Compete verificardes e vos entenderdes com ele.


61. Ele disse que o crime foi cometido em 1608 e que tinha morrido em 1659. Há, pois, 200 anos que se encontra naquele estado?

Resposta. – Isso vos será explicado mais tarde.


62. Poderíeis descrever seu gênero de suplício?

Resposta. – É atroz para ele. Como sabeis, foi condenado a ficar na casa onde o crime foi cometido, sem poder dirigir o pensamento a outra coisa senão ao crime, sempre diante de seus olhos, e julga-se condenado a essa tortura para todo o sempre.


63. Está mergulhado na escuridão?

Resposta. – Escuridão, quando quer afastar-se desse lugar de exílio.


64. Qual o gênero de suplício mais terrível que pode experimentar um Espírito, neste caso?

Resposta. – Não há descrição possível das torturas morais que são a punição de certos crimes. O próprio que as experimenta teria dificuldade em vos dar uma ideia. Mas a mais horrível é a certeza de ser condenado sem apelação.


65. Ele se acha nessa situação há dois séculos. Avalia o tempo como o fazia quando encarnado, isto é, o tempo lhe parece mais ou menos longo, como quando vivia?

Resposta. – Parece-lhe antes mais longo: para ele o sono não existe.


66. Foi-nos dito que, para os Espíritos, o tempo não existia e que, para eles, um século é um ponto na eternidade. Não é o mesmo para todos?

Resposta. – Certo que não. Só o é para os Espíritos chegados a um grau muito elevado de progresso; mas para os Espíritos inferiores o tempo é por vezes muito longo, sobretudo quando sofrem.


67. Esse Espírito é punido muito severamente pelo crime que cometeu. Ora, dissestes-nos que antes desta última existência ele tinha vivido entre as tribos mais bárbaras. Lá deve ter cometido atos no mínimo tão atrozes quanto o último. Foi punido do mesmo modo?

Resposta. – Foi menos punido, porque, sendo mais ignorante, compreendia menos o alcance.


Observação. – Todas as observações confirmam este fato, eminentemente conforme à justiça de Deus, de que as penas são proporcionais, não à natureza da falta, mas ao grau de inteligência do culpado e à possibilidade de compreender o mal que faz. Assim, menos grave em aparência, uma falta poderá ser mais severamente punida num homem civilizado, que um ato de barbárie num selvagem.


68. O estado em que se encontra esse Espírito é o dos seres vulgarmente chamados danados?

Resposta. – Absolutamente; há outros ainda muito mais horríveis. Os sofrimentos estão longe de ser os mesmos para todos, inclusive para crimes semelhantes, pois variam conforme seja o culpado mais ou menos acessível ao arrependimento. Para este, a casa onde cometeu o crime é seu inferno; outros o trazem em si mesmos, pelas paixões que os atormentam e que não podem satisfazer.


Observação. – Com efeito, vimos avarentos sofrerem à vista do ouro, que se lhes tornara uma verdadeira quimera; orgulhosos, atormentados pela inveja das honras que viam prestar e que não se dirigiam a eles; homens que haviam mandado na Terra, humilhados pelo poder invisível que os constrangia a obedecer e pela visão de seus subordinados, que não mais se dobravam diante deles; ateus sofrendo as angústias da incerteza e se achando num isolamento absoluto em meio à imensidade, sem encontrar nenhum ser que os pudesse esclarecer. Se no mundo dos Espíritos há alegrias para todas as virtudes, há penas para todas as faltas, e as que não são alcançadas pelas leis dos homens, sempre o são pela lei de Deus.


69. Apesar de sua inferioridade, esse Espírito sente os bons efeitos da prece; vimos o mesmo da parte de outros Espíritos igualmente perversos e da mais bruta natureza. Como é possível a Espíritos mais esclarecidos, de inteligência mais desenvolvida, mostrarem completa ausência de sentimentos; sorrirem de tudo quanto há de mais sagrado; numa palavra, de nada se tocarem nem concederem a menor trégua ao seu cinismo?

Resposta. – A prece não tem efeito senão em favor do Espírito que se arrepende. Aquele que, impelido pelo orgulho, revolta-se contra Deus e persiste nos seus desvios, ainda os exagerando, como fazem os Espíritos infelizes, sobre estes a prece nada pode nem poderá fazer, a não ser quando um clarão de arrependimento neles se manifestar. Para eles a ineficácia da prece é também um castigo. Ela só alivia os que não estão totalmente endurecidos.


70. Quando vemos um Espírito inacessível aos bons efeitos da prece, há uma razão para nos abstermos de orar por ele?

Resposta. – Não, certamente, porque cedo ou tarde ela poderá triunfar de seu endurecimento e fazer com que nele germinem pensamentos salutares.


(Sexta sessão. – Em casa do Sr. F…).

71. Evocação.

Resposta. – Eis-me aqui.


72. Então, agora podes deixar a casa de Castelnaudary quando quiseres?

Resposta. – Permitem-me, porque aproveito vossos bons conselhos.


73. Experimentas algum alívio?

Resposta. – Começo a ter esperança.


74. Se pudéssemos ver-te, sob que aparência te veríamos?

Resposta. – Ver-me-íeis de camisa e sem punhal.


75. Por que não mais terias o punhal? Que fizeste dele?

Resposta. – Eu o maldigo; Deus me poupa sua vista.


76. Se o Sr. D…. Filho voltasse a casa, ainda lhe farias mal?

Resposta. – Não, pois estou arrependido.


77. E se ele ainda te quisesse desafiar?

Resposta. – Oh! não me pergunteis isso; não poderia me dominar; isto estaria acima de minhas forças…. porque não passo de um miserável.


78. As preces do Sr. D…. Filho ser-te-iam mais salutares que as de outras pessoas?

Resposta. – Sim, pois a ele é que fiz o maior mal.


79. Muito bem! Continuaremos a fazer por ti o que pudermos.

Resposta. – Obrigado. Pelo menos encontrei em vós almas caridosas. Adeus.


(Sétima sessão.)

80. Evocação do homem assassinado.

Resposta. – Eis-me aqui.


81. Que nome tínheis quando vivo?

Resposta. – Eu me chamava Pierre Dupont.


82. Qual era a vossa profissão?

Resposta. – Era salsicheiro em Castelnaudary, onde meu irmão mais velho, Charles Dupont, assassinou-me com um punhal, no meio da noite do dia 6 de maio de 1608.


83. Qual foi a causa do crime?

Resposta. – Meu irmão pensou que eu queria cortejar uma mulher a quem ele amava, e que eu via com muita frequência. Mas ele se enganava, porquanto eu jamais havia pensado nisso.


84. Como ele vos matou?

Resposta. – Eu dormia; ele me feriu na garganta, depois no coração. Ferindo, despertou-me; quis lutar, mas logo sucumbi.


85. Vós o perdoastes?

Resposta. – Sim; no momento de sua morte, há 200 anos.


86. Com que idade ele morreu?

Resposta. – Com 80 anos.


87. Então ele não foi punido em vida?

Resposta. – Não.


88. Quem foi acusado por vossa morte?

Resposta. – Ninguém; naquele tempo de confusão prestava-se pouca atenção a tais coisas; isto de nada adiantaria.


89. Que aconteceu à mulher?

Resposta. – Pouco depois foi assassinada em minha casa por meu irmão.


90. Por que a assassinou?

Resposta. – Amor frustrado. Ele a tinha desposado antes de minha morte.


(Oitava sessão.)

91. Por que ele não fala do assassinato dessa mulher?

Resposta. – Porque o meu é o pior para ele.


92. Evocação da mulher assassinada.

Resposta. – Eis-me aqui.


93. Que nome tínheis em vida?

Resposta. – Marguerite Aeder, senhora Dupont.


94. Quanto tempo estivestes casada?

Resposta. – Cinco anos.


95. Pierre nos disse que seu irmão suspeitava de relações criminosas entre vós dois. Isso é verdade?

Resposta. – Nenhuma relação criminosa existia entre nós. Não acrediteis nisso.


96. Quanto tempo depois da morte de seu irmão Charles ele vos assassinou?

Resposta. – Dois anos depois.


97. Que motivo o impeliu?

Resposta. – O ciúme e o desejo de ficar com meu dinheiro.


98. Podeis relatar as circunstâncias do crime?

Resposta. – Ele me agarrou e feriu-me na cabeça, no ateliê de trabalho, com sua faca de salsicheiro.


99. Como é que não foi perseguido?

Resposta. – Para quê? Tudo era desordem naqueles tempos infortunados.


100. O ciúme de Charles tinha fundamento?

Resposta. – Sim, mas não o autorizava a cometer semelhante crime, porque neste mundo todos somos pecadores.


101. Há quanto tempo estáveis casada, por ocasião da morte de Pierre?

Resposta. – Há três anos.


102. Podeis precisar a data de vossa morte?

Resposta. – Sim: 3 de maio de 1610.


103. Que pensaram da morte de Pierre?

Resposta. – Fizeram crer em assassinos que queriam roubar.


Observação. – Seja qual for a autenticidade desses relatos, que parecem difíceis de controlar, há um fato notável: a precisão e a concordância das datas e de todos os acontecimentos. Por si só essa circunstância é um curioso assunto de estudo, se considerarmos que esses três Espíritos, chamados em intervalos diversos, em nada se contradizem. O que pareceria confirmar suas palavras é que o principal culpado no caso, evocado por outro médium, deu respostas idênticas.


(Nona sessão.)

104. Evocação do Sr. D….

Resposta. – Eis-me aqui.


105. Desejamos pedir alguns detalhes sobre as circunstâncias de vossa morte. Poderíeis no-los dar?

Resposta. – De bom grado.


106. Sabíeis que a casa em que habitáveis era assombrada por um Espírito?

Resposta. – Sim; mas eu o quis desafiar e agi mal em fazê-lo. Melhor teria sido orar por ele.


Observação. – Por aí se vê que os meios geralmente empregados para nos desembaraçarmos dos Espíritos importunos não são os mais eficazes. As ameaças mais os excitam do que os intimidam. A benevolência e a comiseração têm mais poder que o emprego de meios coercitivos, que os irritam, ou das fórmulas, de que se riem.


107. Como esse Espírito vos apareceu?

Resposta. – À minha chegada em casa ele estava visível e me olhava fixamente; não pude escapar; fui tomado pelo pavor e expirei sob o olhar terrível desse Espírito que eu havia desprezado, e para o qual me havia mostrado tão pouco caridoso.


108. Não poderíeis pedir por socorro?

Resposta. – Impossível; minha hora havia chegado, e é assim que eu devia morrer.


109. Que aparência tinha ele?

Resposta. – De um furioso disposto a me devorar.


110. Sofrestes ao morrer?

Resposta. – Horrivelmente.


111.. Morrestes subitamente?

Resposta. – Não; duas horas depois.


112. Que reflexões fazíeis, sentindo que morríeis?

Resposta. – Não pude refletir; fui tomado de um terror inexprimível.


113. A aparição ficou visível até o fim?

Resposta. – Sim; não deixou um só instante o meu pobre Espírito.


114. Quando vosso Espírito se desprendeu percebestes a causa de vossa morte?

Resposta. – Não; tudo estava acabado. Só mais tarde compreendi.


115. Podeis indicar a data de vossa morte?

Resposta. – Sim: 9 de agosto de 1853. (A data precisa ainda não pôde ser verificada; mas é exata, aproximadamente).


(Décima sessão. – Sociedade, 13 de janeiro de 1860.)

Quando esse Espírito foi evocado, a 9 de dezembro, São Luís aconselhou a chamá-lo novamente dentro de um mês, a fim de julgar do progresso que deveria ter feito no intervalo. Já se pôde julgá-lo, pelas comunicações do Sr. e da Sra. E…, pela mudança operada em suas ideias, graças à influência das preces e dos bons conselhos. Decorrido pouco mais de um mês depois de sua primeira evocação, foi ele novamente chamado à Sociedade, em 13 de janeiro.


116. Evocação.

Resposta. – Eis-me aqui.


117. Lembrai-vos de ter sido chamado entre nós há cerca de um mês?

Resposta. – Como o esqueceria?


118. Por que então não pudestes escrever?

Resposta. – Eu não queria.


119. Por que não o queríeis?

Resposta. – Ignorância e embrutecimento.


120. Vossas ideias mudaram desde então?

Resposta. – Muito. Vários dentre vós foram complacentes e oraram por mim.


121. Confirmais todas as informações que foram dadas por vós e por vossas vítimas?

Resposta. – Se não as confirmasse seria dizer que não as havia dado, e fui eu mesmo que as dei.


122. Entrevedes o fim de vossas penas?

Resposta. – Oh! ainda não. Já é muito mais do que mereço saber que, graças à vossa intercessão, elas não durarão para sempre.


123. Descrevei a situação em que estáveis antes da nossa primeira evocação. Havereis de compreender que vo-lo pedimos para nossa instrução, e não como um motivo de curiosidade.

Resposta. – Como vos disse, não tinha consciência de nada, no mundo, senão do meu crime, e não podia deixar a casa onde o cometi senão para me elevar no espaço, onde tudo à minha volta era solidão e obscuridade. Não vos poderia dar uma ideia disto; jamais o compreendi. Desde que me elevava acima do ar, tudo era negro e vazio; não sei o que era. Hoje experimento muito mais remorso, mas, como vos provam as comunicações, já não sou constrangido a ficar naquela casa fatal. Permitem-me vagar na Terra e procurar esclarecer-me por minhas observações. Agora compreendo melhor a enormidade dos meus crimes. Se, por um lado, sofro menos, por outro aumentam minhas torturas pelo remorso; mas, pelo menos, tenho esperança.


124. Se tivésseis que retomar uma existência corpórea, qual escolheríeis?

Resposta. – Ainda não vi suficientemente, nem refleti bastante para o saber.


125. Encontrais as vossas vítimas?

Resposta. – Oh! que Deus me guarde!


Observação. – Sempre foi dito que a visão das vítimas é um dos tormentos dos culpados. Este ainda não as viu, porque estava no isolamento e nas trevas; era um castigo. Mas ele teme essa visão, e talvez aí esteja o complemento de seu suplício.


126. Durante vosso longo isolamento e, pode-se dizer, vosso cativeiro, sentistes remorsos?

Resposta. – Nem um pouco, e é por isso que sofri tanto. Foi somente quando comecei a experimentá-los que, mau grado meu, foram provocadas as circunstâncias que levaram à minha evocação, à qual devo o começo de minha liberdade. Obrigado, pois, a vós, que tivestes piedade de mim e me esclarecestes.


Observação. – Esta evocação não é obra do acaso. Como devia ser útil a esse infeliz, os Espíritos que velavam por ele, vendo que começava a compreender a enormidade de seus crimes, julgaram chegado o momento de lhe prestar um socorro eficaz, e então o trouxeram às circunstâncias propícias. É um fato que vimos se produzir muitas vezes.

A propósito, perguntaram o que teria sido dele, se não pudesse ter sido evocado, como ocorre com todos os Espíritos sofredores que também não o podem ser, e nos quais não se pensa. A isto foi respondido que os caminhos de Deus, para a salvação de suas criaturas, são inumeráveis. A evocação pode ser um meio de os assistir, mas, por certo, não é o único. Deus não deixa ninguém no esquecimento. Aliás, as preces coletivas também devem exercer sua influência sobre os Espíritos acessíveis ao arrependimento. [v. Estudo sobre o Espírito de pessoas vivas.]


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