O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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O Céu e o Inferno — 1ª Parte.

(Idioma francês)

Capítulo VII.


AS PENAS FUTURAS SEGUNDO O ESPIRITISMO.

A carne é fraca. (1.) — Princípios da Doutrina Espírita sobre as penas futuras. (2.) — Código penal da vida futura. (3.)


A carne é fraca.  † 

1. — Há tendências viciosas que são evidentemente próprias do Espírito, porque se apegam mais ao moral do que ao físico; 2 outras, parecem antes dependentes do organismo, e, por esse motivo, menos responsáveis são julgados os que as possuem: 3 consideram-se como tais as disposições à cólera, à preguiça, à sensualidade, etc.

4 Hoje, está plenamente reconhecido pelos filósofos espiritualistas que os órgãos cerebrais correspondentes a diversas aptidões devem o seu desenvolvimento à atividade do Espírito. Assim, esse desenvolvimento é um efeito e não uma causa. 5 Um homem não é músico porque tenha a bossa da música, mas possui essa tendência porque o seu Espírito é musical.

6 Se a atividade do Espírito reage sobre o cérebro, deve também reagir sobre as outras partes do organismo. 7 O Espírito é, deste modo, o artista do próprio corpo, por ele talhado, por assim dizer, à feição das suas necessidades e à manifestação das suas tendências. 8 Desta forma a perfeição corporal das raças adiantadas deixa de ser produto de criações distintas para ser o resultado do trabalho espiritual, que aperfeiçoa o invólucro material à medida que as faculdades aumentam.

9 Por uma consequência natural deste princípio, as disposições morais do Espírito devem modificar as qualidades do sangue, dar-lhe maior ou menor atividade, provocar uma secreção mais ou menos abundante de bílis ou de quaisquer outros fluidos. É assim, por exemplo, que ao glutão enche-se-lhe a boca de saliva diante dum prato apetitoso. 10 Certo é que a iguaria não pode excitar o órgão do paladar, uma vez que com ele não tem contato; é, pois, o Espírito, cuja sensibilidade é despertada, que atua sobre aquele órgão pelo pensamento, enquanto que outra pessoa permanecerá indiferente à vista do mesmo acepipe. 11 É ainda por este motivo que a pessoa sensível facilmente verte lágrimas. Não é, porém, a abundância destas que dá sensibilidade ao Espírito, mas precisamente a sensibilidade deste que provoca a secreção abundante das lágrimas. 12 Sob o império da sensibilidade, o organismo adaptou-se à disposição normal do Espírito, do mesmo modo por que se adaptou à disposição do Espírito glutão.

13 Seguindo esta ordem de ideias, compreende-se que um Espírito irascível deve encaminhar-se para estimular um temperamento bilioso, do que resulta não ser um homem colérico por bilioso, mas bilioso por colérico. 14 O mesmo se dá em relação a todas as outras disposições instintivas: um Espírito indolente e fraco deixará o organismo em estado de atonia relativo ao seu caráter, ao passo que, ativo e energético, dará ao sangue como aos nervos qualidades perfeitamente opostas. 15 A ação do Espírito sobre o físico é tão evidente que não raro vemos graves desordens orgânicas sobrevirem a violentas comoções morais. 16 A expressão vulgar: — A emoção transtornou-lhe o sangue — não é tão destituída de sentido quanto se poderia supor. Ora, que poderia transtornar o sangue senão as disposições morais do Espírito?

17 Pode admitir-se por conseguinte, ao menos em parte, que o temperamento é determinado pela natureza do Espírito, que é causa e não efeito. 18 E nós dizemos em parte, porque há casos em que o físico influi evidentemente sobre o moral, tais como quando um estado mórbido ou anormal é determinado por causa externa, acidental, independente do Espírito, como sejam a temperatura, o clima, os defeitos físicos congênitos, uma doença passageira, etc. 19 O moral do Espírito pode, nesses casos, ser afetado em suas manifestações pelo estado patológico, sem que a sua natureza intrínseca seja modificada.

20 Escusar-se de seus erros por fraqueza da carne não passa de sofisma para escapar a responsabilidades. 21 A carne só é fraca porque o Espírito é fraco, o que inverte a questão deixando àquele a responsabilidade de todos os seus atos. 22 A carne, destituída de pensamento e vontade, não pode prevalecer jamais sobre o Espírito, que é o ser pensante e de vontade própria; 23 o Espírito é quem dá à carne as qualidades correspondentes ao seu instinto, tal como o artista que imprime à obra material o cunho do seu gênio. 24 Libertado dos instintos da bestialidade, elabora um corpo que não é mais um tirano de sua aspiração, para espiritualidade do seu ser, 25 e é quando o homem passa a comer para viver e não mais vive para comer.

26 A responsabilidade moral dos atos da vida fica, portanto, intacta; mas a razão nos diz que as consequências dessa responsabilidade devem ser proporcionais ao desenvolvimento intelectual do Espírito; 27 assim, quanto mais esclarecido for este, menos desculpável se torna, uma vez que com a inteligência e o senso moral nascem as noções do bem e do mal, do justo e do injusto.

28 Esta lei explica o insucesso da Medicina em certos casos. Desde que o temperamento é um efeito e não uma causa, todo o esforço para modificá-lo se nulifica ante as disposições morais do Espírito, opondo-lhe uma resistência inconsciente que neutraliza a ação terapêutica. Por conseguinte, sobre a causa primordial é que se deve atuar. 29 Daí, se puserdes, coragem ao poltrão, e vereis para logo cessados os efeitos fisiológicos do medo. 30 Isto prova ainda uma vez a necessidade, para a arte de curar, de levar em conta a influência espiritual sobre os organismos. (Revista Espírita, março de 1869: A carne é fraca.)


Princípios da Doutrina Espírita sobre as penas futuras.  † 


2. — A Doutrina Espírita, no que respeita às penas futuras, não se baseia numa teoria preconcebida; não é um sistema substituindo outro sistema: em tudo ela se apoia nas observações, e são estas que lhe dão plena autoridade. 2 Ninguém jamais imaginou que as almas, depois da morte, se encontrariam em tais ou quais condições; são elas, essas mesmas almas, partidas da Terra, que nos vêm hoje iniciar nos mistérios da vida futura, descrever-nos sua situação feliz ou infeliz, as impressões, a transformação pela morte do corpo, completando, em uma palavra, os ensinamentos do Cristo sobre este ponto.

3 Preciso é afirmar que se não trata neste caso das revelações de um só Espírito, o qual poderá ver as coisa do seu ponto de vista, sob um só aspecto, ainda dominado por terrenos prejuízos. 4 Tampouco se trata de uma revelação feita exclusivamente a um indivíduo que pudesse deixar-se levar pelas aparências, 5 ou de uma visão extática n suscetível de ilusões, e não passando muitas vezes de reflexo de uma imaginação exaltada; 6 trata-se, sim, de inúmeros exemplos fornecidos por Espíritos de todas as categorias, desde os mais elevados aos mais inferiores da escala, por intermédio de outros tantos auxiliares (médiuns) disseminados pelo mundo, de sorte que a revelação deixa de ser privilégio de alguém, pois todos podem prová-la, observando-a, sem obrigar-se à crença pela crença de outrem.


Código penal da vida futura.  † 


3. — O Espiritismo não vem, pois, com sua autoridade privada, formular um código de fantasia; a sua lei, no que respeita ao futuro da alma, deduzida das observações do fato, pode resumir-se nos seguintes pontos:


l.º A alma ou Espírito sofre na vida espiritual as consequências de todas as imperfeições que não conseguiu corrigir na vida corporal. 2 O seu estado, feliz ou infeliz, é inerente ao seu grau de pureza ou impureza.


2.º A completa felicidade prende-se à perfeição, isto é, à purificação completa do Espírito. 2 Toda imperfeição é, por sua vez, causa de sofrimento e de privação de gozo, do mesmo modo que toda perfeição adquirida é fonte de gozo e atenuante de sofrimentos.


3.º Não há uma única imperfeição da alma que não importe funestas e inevitáveis consequências, como não há uma só qualidade boa que não seja fonte de um gozo. 2 A soma das penas é, assim, proporcionada à soma das imperfeições, como a dos gozos à das qualidades.

3 A alma que tem dez imperfeições, por exemplo, sofre mais do que a que tem três ou quatro; e quando dessas dez imperfeições não lhe restar mais que metade ou um quarto, menos sofrerá; de todo extintas, então a alma será perfeitamente feliz. 4 Também na Terra, quem tem muitas moléstias, sofre mais do que quem tenha apenas uma ou nenhum. 5 Pela mesma razão, a alma que possui dez perfeições, tem mais gozos do que outra menos rica de boas qualidades.


4.º Em virtude da lei do progresso que dá a toda alma a possibilidade de adquirir o bem que lhe falta, como de despojar-se do que tem de mau, conforme o esforço e vontade próprios, temos que o futuro é aberto a todas as criaturas. 2 Deus não repudia nenhum de seus filhos, antes recebe-os em seu seio à medida que atingem a perfeição, deixando a cada qual o mérito das suas obras.


5.º Dependendo o sofrimento da imperfeição, como o gozo da perfeição, a alma traz consigo o próprio castigo ou prêmio, onde quer que se encontre, sem necessidade de lugar circunscrito. 2 O inferno está por toda parte em que haja almas sofredoras, e o Céu igualmente onde houver almas felizes.


6.º O bem e o mal que fazemos decorrem das qualidades que possuímos. 2 Não fazer o bem quando podemos é, portanto, o resultado de uma imperfeição. 3 Se toda imperfeição é fonte de sofrimento, o Espírito deve sofrer não somente pelo mal que fez como pelo bem que deixou de fazer na vida terrestre.


7.º O Espírito sofre pelo mal que fez, de maneira que, sendo a sua atenção constantemente dirigida para as consequências desse mal, melhor compreende os seus inconvenientes e trata de corrigir-se.


8.º Sendo infinita a justiça de Deus, o bem e o mal são rigorosamente considerados, 2 não havendo uma só ação, um só pensamento mau que não tenha consequências fatais, 3 como não há uma única ação meritória, um só bom movimento da alma que se perca, 4 mesmo para os mais perversos, por isso que constituem tais ações um começo de progresso.


9.º Toda falta cometida, todo mal realizado é uma dívida contraída que deverá ser paga; 2 se o não for em uma existência, sê-lo-á na seguinte ou seguintes, 3 porque todas as existências são solidárias entre si. 4 Aquele que se quita numa existência não terá necessidade de pagar segunda vez.


l0.º O Espírito sofre, quer no mundo corporal, quer no espiritual, a consequência das suas imperfeições. 2 As misérias, as vicissitudes padecidas na vida corpórea, são oriundas das nossas imperfeições, são expiações de faltas cometidas na presente ou em precedentes existências.

3 Pela natureza dos sofrimentos e vicissitudes da vida corpórea, pode julgar-se a natureza das faltas cometidas em anterior existência, e das imperfeições que as originaram.


l1.º A expiação varia segundo a natureza e gravidade da falta, podendo, portanto, a mesma falta determinar expiações diversas, conforme as circunstâncias, atenuantes ou agravantes, em que for cometida.


l2.º Não há regra absoluta nem uniforme quanto à natureza e duração do castigo: — a única lei geral é que toda falta terá punição, e terá recompensa todo ato meritório, segundo o seu valor.


l3.º A duração do castigo depende da melhoria do Espírito culpado. 2 Nenhuma condenação por tempo determinado lhe é prescrita. 3 O que Deus exige por termo de sofrimentos é um melhoramento sério, efetivo, sincero, de volta ao bem.

4 Deste modo o Espírito é sempre o árbitro da própria sorte, podendo prolongar os sofrimentos pela pertinácia no mal, ou suavizá-los e anulá-los pela prática do bem.

5 Uma condenação por tempo predeterminado teria o duplo inconveniente de continuar o martírio do Espírito renegado, ou de libertá-lo do sofrimento quando ainda permanecesse no mal. 6 Ora, Deus, que é justo, só pune o mal enquanto existen e deixa de o punir quando não existe mais; 7 por outra, o mal moral, sendo por si mesmo causa de sofrimento, fará este durar enquanto subsistir aquele, ou diminuirá de intensidade à medida que ele decresça.


l4.º Dependendo da melhoria do Espírito a duração do castigo, o culpado que jamais melhorasse sofreria sempre, e, para ele, a pena seria eterna.


l5.º Uma condição inerente à inferioridade dos Espíritos é não lobrigarem o termo da provação, acreditando-a eterna, como eterno lhes parece deva ser um tal castigo. n


l6.º O arrependimento, conquanto seja o primeiro passo para a regeneração, não basta por si só; são precisas a expiação e a reparação.

2 Arrependimento, expiação e reparação constituem, portanto, as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas consequências. 3 O arrependimento suaviza os travos da expiação, abrindo pela esperança o caminho da reabilitação; 4 a reparação, contudo, pode anular o efeito destruindo-lhe a causa. 5 Do contrário, o perdão seria uma graça, não uma anulação.


l7.º O arrependimento pode dar-se por toda parte e em qualquer tempo; se for tarde, porém, o culpado sofre por mais tempo.

2 Até que os últimos vestígios da falta desapareçam, a expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais que lhe são consequentes, seja na vida atual, seja na vida espiritual após a morte, ou ainda em nova existência corporal.

3 A reparação consiste em fazer o bem àqueles a quem se havia feito o mal. 4 Quem não repara os seus erros numa existência, por fraqueza ou má-vontade, achar-se-á numa existência ulterior em contato com as mesmas pessoas que de si tiverem queixas, e em condições voluntariamente escolhidas, de modo a demonstrar-lhes reconhecimento e fazer-lhes tanto bem quanto mal lhes tenha feito.

5 Nem todas as faltas acarretam prejuízo direto e efetivo; 6 em tais casos a reparação se opera, fazendo-se o que se deveria fazer e foi descurado; 7 cumprindo os deveres desprezados, as missões não preenchidas; 8 praticando o bem em compensação ao mal praticado, 9 isto é, tornando-se humilde se se tem sido orgulhoso, 10 amável se se foi austero, 11 caridoso se se tem sido egoísta, 12 benigno se se tem sido perverso, 13 laborioso se se tem sido preguiçoso, 14 útil se se tem sido inútil, 15 temperante se se tem sido dissoluto, 16 trocando em suma por bons os maus exemplos perpetrados. 17 E desse modo progride o Espírito, aproveitando-se do próprio passado. n


l8.º Os Espíritos imperfeitos são excluídos dos mundos felizes, cuja harmonia perturbariam; 2 ficam nos mundos inferiores a expiarem as suas faltas pelas tribulações da vida, e purificando-se das suas imperfeições até que mereçam a encarnação em mundos mais elevados, mais adiantados moral e fisicamente.

3 Se se pode conceber um lugar circunscrito de castigo, tal lugar é, sem dúvida, nesses mundos de expiação, em torno dos quais pululam Espíritos imperfeitos, desencarnados à espera de novas existências que lhes permitam reparar o mal, auxiliando-os no progresso.


l9.º Como o Espírito tem sempre o livre arbítrio, o progresso por vezes se lhe torna lento, e tenaz a sua obstinação no mal. 2 Nesse estado pode persistir anos e séculos, vindo por fim um momento em que a sua contumácia se modifica pelo sofrimento, e, a despeito da sua jactância, reconhece o poder superior que o domina. 3 Então, desde que se manifestam os primeiros vislumbres de arrependimento, Deus lhe faz entrever a esperança.

4 Espírito algum existe incapaz de nunca progredir, votado a eterna inferioridade, o que seria a negação da lei de progresso, que providencialmente rege todas as criaturas.


20.º Quaisquer que sejam a inferioridade e perversidade dos Espíritos, Deus jamais os abandona. 2 Todos têm seu anjo de guarda que por eles vela, na persuasão de suscitar-lhes bons pensamentos, desejos de progredir e, bem assim, de espreitar-lhes os movimentos da alma, com o que se esforçam por reparar em uma nova existência o mal que praticaram. 3 Contudo, essa interferência do guia protetor faz-se quase sempre ocultamente e de modo a não haver pressão, pois que o Espírito deve progredir por impulso da própria vontade, nunca por qualquer sujeição. 4 O bem e o mal são praticados em virtude do livre arbítrio, e, conseguintemente, sem que o Espírito seja fatalmente impelido para um ou outro sentido. 5 Persistindo no mal, sofrerá as consequências por tanto tempo quanto durar a persistência, do mesmo modo que, dando um passo para o bem, sente imediatamente benéficos efeitos.


OBSERVAÇÃO. Erro seria supor que, por efeito da lei de progresso, a certeza de atingir cedo ou tarde a perfeição e a felicidade pode estimular a perseverança no mal, sob a condição do ulterior arrependimento: 2 primeiro porque o Espírito inferior não se apercebe do termo da sua situação; 3 e segundo porque, sendo ele o autor da própria infelicidade, acaba por compreender que de si depende o faze-la cessar; 4 que por tanto tempo quanto perseverar no mal será infeliz; 5 finalmente, que o sofrimento será intérmino se ele próprio não lhe der fim. 6 Seria, pois, um cálculo negativo, cujas consequências o Espírito seria o primeiro a reconhecer. 7 Com o dogma das penas irremissíveis é que se verifica, precisamente, tal hipótese, visto como é para sempre interdita qualquer ideia de esperança, não tendo pois o homem interesse em converter-se ao bem, para ele sem proveito.

8 Diante dessa lei, cai também a objeção extraída da presciência divina, 9 pois Deus, criando uma alma, sabe efetivamente se, em virtude do seu livre arbítrio, ela tomará a boa ou a má estrada; 10 sabe que ela será punida se fizer o mal; mas sabe também que tal castigo temporário é um meio de faze-la compreender o erro, cedo ou tarde entrando no bom caminho. 11 Pela doutrina das penas eternas conclui-se que Deus sabe que essa alma falirá e, portanto, que está previamente condenada a torturas infinitas.


2l.º A responsabilidade das faltas é toda pessoal, 2 ninguém sofre por erros alheios, salvo se a eles deu origem, quer provocando-os pelo exemplo, quer não os impedindo quando poderia faze-lo.

3 Assim, o suicida é sempre punido; mas aquele que por maldade impele outro a cometê-lo, esse sofre ainda maior pena.


22.º Conquanto infinita a diversidade de punições, algumas há inerentes à inferioridade dos Espíritos, e cujas consequências, salvo pormenores, são pouco mais ou menos idênticas.

2 A punição mais imediata, sobretudo entre os que se acham ligados à vida material em detrimento do progresso espiritual, faz-se sentir pela lentidão do desprendimento da alma; 3 nas angústias que acompanham a morte e o despertar na outra vida, 4 na consequente perturbação que pode dilatar-se por meses e anos. 5 Naqueles que, ao contrário, têm pura a consciência e na vida material já se acham identificados com a vida espiritual, o trespasse é rápido, sem abalos, quase nula a turbação de um pacífico despertar.


23.º Um fenômeno mui frequente entre os Espíritos de certa inferioridade moral é o acreditarem-se ainda vivos, podendo esta ilusão prolongar-se por muitos anos, durante os quais eles experimentarão todas as necessidades, todos os tormentos e perplexidades da vida.


24.º Para o criminoso, a presença incessante das vítimas e das circunstâncias do crime é um suplício cruel.


25.º Espíritos há mergulhados em densa treva; 2 outros se encontram em absoluto insulamento no Espaço, atormentados pela ignorância da própria posição, como da sorte que os aguarda. 3 Os mais culpados padecem torturas muito mais pungentes por não lhes entreverem um termo. 4 Alguns são privados de ver os seres queridos. 5 Todos, geralmente, passam com intensidade relativa pelos males, pelas dores e privações que a outrem ocasionaram. 6 Esta situação perdura até que o desejo de reparação pelo arrependimento lhes traga a calma para entrever a possibilidade de, por eles mesmos, pôr um termo à sua situação.


26.º Para o orgulhoso relegado às classes inferiores, é suplício ver acima dele colocados, cheios de glória e bem-estar, os que na Terra desprezara. 2 O hipócrita vê desvendados, penetrados e lidos por todo o mundo os seus mais secretos pensamentos, sem que os possa ocultar ou dissimular; 3 o sátiro, na impotência de os saciar, tem na exaltação dos bestiais desejos o mais atroz tormento; 4 vê o avaro o esbanjamento inevitável do seu tesouro, 5 enquanto que o egoísta, desamparado de todos, sofre as consequências da sua atitude terrena; nem a sede nem a fome lhe serão mitigadas, nem amigas mãos se lhe estenderão às suas mãos súplices; e pois que em vida só de si cuidara, ninguém dele se compadecerá na morte.


27.º O único meio de evitar ou atenuar as consequências futuras de uma falta, está no repará-la, desfazendo-a no presente; 2 quanto mais nos demorarmos na reparação de uma falta, tanto mais penosas e rigorosas serão, no futuro, as suas consequências.


28.º A situação do Espírito, no mundo espiritual, não é outra senão a por si mesmo preparada na vida corpórea. 2 Mais tarde, outra encarnação se lhe faculta para a expiação e a reparação por novas provas, com maior ou menor proveito, dependentes do seu livre arbítrio; 3 e se ele não se corrige, terá sempre uma missão a recomeçar, sempre e sempre mais acerba, de sorte que pode dizer-se que aquele que muito sofre na Terra, muito tinha a expiar; 4 e os que gozam uma felicidade aparente, em que pesem aos seus vícios e inutilidades, pagá-la-ão mui caro em ulterior existência. 5 Nesse sentido foi que Jesus disse:  ( † ) “Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados.” (O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo V.)


29.º Certo, a misericórdia de Deus é infinita, mas não é cega. 2 O culpado que ela atinge não fica exonerado, e, enquanto não houver satisfeito à justiça, sofre a consequência dos seus erros. 3 Por infinita misericórdia, devemos ter que Deus não é inexorável, deixando sempre viável o caminho da redenção.


30.º Subordinadas ao arrependimento e reparação dependentes da vontade humana, as penas, por temporárias, constituem concomitantemente castigos e remédios auxiliares a cura do mal. 2 Os Espíritos, em prova, não são, pois, quais galés por certo tempo condenados, mas como doentes de hospital sofrendo de moléstias resultantes da própria incúria, a compadecerem-se com meios curativos mais ou menos dolorosos que a moléstia reclama, esperando alta tanto mais pronta quanto mais estritamente observadas as prescrições do solícito médico assistente. 3 Se os doentes, pelo próprio descuido de si mesmos, prolongam a enfermidade, o médico nada tem que ver com isso.


3l.º As penas que o Espírito experimenta na vida espiritual ajuntam-se as da vida corpórea, que são consequentes às imperfeições do homem, às suas paixões, ao mau uso das suas faculdades e à expiação de presentes e passadas faltas. 2 É na vida corpórea que o Espírito repara o mal de anteriores existências, pondo em prática resoluções tomadas na vida espiritual. 3 Assim se explicam as misérias e vicissitudes mundanas que, à primeira vista, parecem não ter razão de ser. 4 Justas são elas, no entanto, como espólio do passado — herança que serve à nossa romagem para a perfectibilidade. n


32.º Deus, diz-se, não daria prova maior de amor às suas criaturas, criando-as infalíveis e, por conseguinte, isentas dos vícios inerentes à imperfeição?

2 Para tanto fora preciso que Ele criasse seres perfeitos, nada mais tendo a adquirir, quer em conhecimentos, quer em moralidade. 3 Certo, porém, Deus poderia faze-lo, e se o não fez é que em sua sabedoria quis que o progresso constituísse lei geral.

4 Os homens são imperfeitos, e, como tais, sujeitos a vicissitudes mais ou menos penosas; e pois que o fato existe, devemos aceitá-lo. 5 Inferir dele que Deus não é bom nem justo, fora insensata revolta contra a lei.

6 Injustiça haveria, sim, na criação de seres privilegiados, mais ou menos favorecidos, fruindo gozos que outros porventura não atingem senão pelo trabalho, ou que jamais pudessem atingir. 7 Ao contrário, a justiça divina patenteia-se na igualdade absoluta que preside à criação dos Espíritos; 8 todos têm o mesmo ponto de partida e nenhum se distingue em sua formação por melhor aquinhoado; 9 nenhum cuja marcha progressiva se facilite por exceção: 10 os que chegam ao fim, têm passado, como quaisquer outros, pelas fases de inferioridade e respectivas provas.

11 Isto posto, nada mais justo que a liberdade de ação a cada qual concedida. 12 O caminho da felicidade a todos se abre amplo, como a todos as mesmas condições para atingi-la; 13 a lei, gravada em todas as consciências, a todos é ensinada. 14 Deus fez da felicidade o prêmio do trabalho e não do favoritismo, para que cada qual tivesse seu mérito; 15 todos somos livres no trabalho do próprio progresso, e o que muito e depressa trabalha, mais cedo recebe a recompensa; 16 o romeiro que se desgarra, ou em caminho perde tempo, retarda a marcha e não pode queixar-se senão de si mesmo. 17 O bem como o mal são voluntários e facultativos: livre, o homem não é fatalmente impelido para um nem para outro.


33.º Em que pese à diversidade de gêneros e graus de sofrimentos dos Espíritos imperfeitos, o código penal da vida futura pode resumir-se nestes três princípios:

2 O sofrimento é inerente à imperfeição.

3 Toda imperfeição, assim como toda falta dela promanada, traz consigo o próprio castigo nas consequências naturais e inevitáveis: 4 assim, a moléstia pune os excessos e da ociosidade nasce o tédio, sem que haja mister de uma condenação especial para cada falta ou indivíduo.

5 Podendo todo homem libertar-se das imperfeições por efeito da vontade, pode igualmente anular os males consecutivos e assegurar a futura felicidade.

6 A cada um segundo as suas obras,  ( † ) ( † ) no Céu como na Terra: tal é a lei da Justiça Divina.



[1] Vede capítulo VI, n.º 7; e, O Livro dos Espíritos n.º 443 e 444.

[2] Vede capítulo VI, n.º 25, citação de Ezequiel.

[3] Perpétuo é sinônimo de eterno. Diz-se o limite das neves perpétuas; o eterno gelo dos pólos; também se diz o secretário perpétuo da Academia, o que não significa que o seja ad perpetuam, mas unicamente por tempo ilimitado. Eterno e perpétuo se empregam, pois, no sentido de indeterminado. Nesta acepção pode dizer-se que as penas são eternas, para exprimir que não têm duração limitada; eternas, portanto, para o Espírito que lhes não vê o termo.

[4] A necessidade da reparação é um princípio de rigorosa justiça, que se pode considerar verdadeira lei de reabilitação moral dos Espíritos. Entretanto, essa doutrina, religião alguma ainda a proclamou. Algumas pessoas repelem-na porque acham mais cômodo o poder quitarem-se das más ações por um simples arrependimento, que não custa mais que palavras, por meio de algumas fórmulas; contudo, crendo-se, assim, quites, verão mais tarde se isso lhes bastava. Nós poderíamos perguntar se esse princípio não é consagrado pela lei humana, e se a justiça divina pode ser inferior à dos homens? E mais, se essas leis se dariam por desafrontadas desde que o indivíduo que as transgredisse, por abuso de confiança, se limitasse a dizer que as respeita infinitamente.

Por que hão de vacilar tais pessoas perante uma obrigação que todo homem honesto se impõe como dever, segundo o grau de suas forças?

Quando esta perspectiva de reparação for inculcada na crença das massas, será um outro freio aos seus desmandos, e bem mais poderoso que o inferno e respectivas penas eternas, visto como interessa à vida em sua plena atualidade, podendo o homem compreender a procedência das circunstâncias que a tornam penosa, ou a sua verdadeira situação.

[5] Vede 1ª Parte, capítulo V, O purgatório, n.º 3 e seguintes; e, após, 2ª Parte, capítulo VIII, Expiações terrestres. Vede, também, O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo V: Bem-aventurados os aflitos.


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